Ultradireita do Chile vence eleição para Constituinte, em derrota de Boric

A ultradireita foi a grande vencedora da eleição do conselho que discutirá a nova Constituição do Chile , impondo mais uma derrota ao presidente Gabriel Boric, de esquerda.

O país foi às urnas neste domingo (7) depois de ter rejeitado uma primeira versão do texto em setembro.

Com quase 100% das mesas apuradas, o Partido Republicano conseguiu o maior número de representantes (22 dos 50 conselheiros). Em segundo lugar, veio o grupo governista de esquerda Unidad para Chile (17 vagas). Na sequência, apareceu a lista Chile Seguro, da direita tradicional (11 vagas).

Um candidato indígena também levou a 51ª cadeira. Não havia um sistema de “cotas” para indígenas, mas, se os dois postulantes nessa condição conseguissem ultrapassar 1,5% dos votos totais, o mais votado se somaria aos outros 50, como aconteceu.

Já a coalizão de centro-esquerda Todo por Chile e o Partido de la Gente, mais à direita, não conseguiram nenhuma vaga, assim como os três candidatos que concorreram de forma independente.

Somando as listas, a direita terminou com a maioria absoluta de 33 cadeiras, mais do que as 31 necessárias para aprovar mudanças. Por outro lado, a esquerda não conseguiu as 21 que precisaria para vetar medidas provisórias com as quais não concordam.

Na prática, se quiser, a direita poderá conversar sozinha para redirigir a nova Constituição do país. O resultado é considerado histórico no Chile, que nunca uma vitória desse lado do espectro político viu eleições próximas com essa, como as legislativas.

Formado em sua maioria por políticos, o conselho vai receber em junho um pré-projeto que está sendo escrito por 24 especialistas, principalmente juristas, e vai debatê-lo até outubro. Após alguns trâmites, a proposta de Carta passará por um novo plebiscito em dezembro.

Além de uma base, esses conselheiros deveriam cumprir 12 princípios já acordados, como a constatação de que o Chile é uma república democrática, com um Estado unitário, descentralizado e formado pelos Três Poderes.

Também já é consenso que Banco Central, Justiça Eleitoral, Ministério Público e Controladoria são independentes. A nova Carta substituirá a que está em vigor, de 1980, da ditadura de Augusto Pinochet.

Esta eleição, com voto obrigatório, foi considerada uma regra da popularidade de Boric , desgastado pelo fracasso da última tentativa e por outras derrotas políticas recentes . Também era esperado que o pleito medisse o fortalecimento da direita , impulsionado por crises na economia e na segurança.

Em entrevista coletiva após a contagem, o presidente pediu que o conselho eleito “atue com sabedoria e moderação”, buscando acordos. “Uma Constituição deve durar décadas, e é por isso que devemos ser capazes de fechar com sucesso esse debate”, declarou.

O resultado deve trazer ainda mais dificuldades para a sua governabilidade. Ele já teve que fazer duas reformas ministeriais importantes desde que assumiu o país, em março de 2022, para levar o governo mais ao centro do espectro político , após sofrer a rejeição da reforma constitucional e também da tributária.

“É uma vitória absoluta do Partido Republicano e um desempenho do partido governista muito aquém das expectativas, assim como da centro-direita, o Chile Seguro”, diz o advogado e analista político Esteban Montoya, que foi assessor do ex-presidente Sebástian Piñera, de direita.

As três principais pautas do Partido Republicano são a segurança, uma posição anti-imigração e um sistema econômico que depende mais para o privado do que para o público. A sigla também é muito criticada por defensores de aspectos da ditadura de Pinochet.

O pleito deste domingo foi marcado por um clima de apatia entre os chilenos. Eles foram às urnas pela sétima vez em pouco mais de dois anos, considerando a soma de eleições municipais, estaduais e presidenciais, além de primárias e plebiscitos.

Por isso havia uma expectativa negativa sobre o nível de participação da população neste domingo. A contagem do Serviço Eleitoral do Chile (Servel) aponta que 81% dos eleitores foram votantes, menos do que os 86% do plebiscito que acabaram rejeitando a primeira redação.

A percepção era a de que as pessoas estavam em outra sintonia. Depois de uma década de estabilidade, o país vive retração econômica, com alta da liberdade, da pobreza, da informalidade e dos crimes. Também passa por uma crise migratória, com a chegada de venezuelanos e peruanos .

Esses temas pautaram a campanha morna desse pleito, que durou apenas duas semanas e se concentrou nas redes sociais, sem muitos eventos nas ruas nem debates programáticos. Segundo analistas, a discussão foi mais identitária, entre esquerda e direita.

A demanda por uma nova Carta Magna começou no final de 2019, com o que ficou conhecido como “estallido social” : protestos em massa que tiveram como gatilho o aumento do valor da passagem de metrô. Algo parecido com os atos de junho de 2013 no Brasil, só que mais extenso e violento.

Folha de SP

Postado em 8 de maio de 2023