Rio de Janeiro. Tráfico na Rocinha, que fatura R$ 12 milhões ao mês, já tem mais lucro com extorsões do que com a venda de drogas

axas cobradas por criminosos aumentaram em cerca de 20% de 2023 para 2024, revela fonte
Apenas com a taxa semanal de R$ 150, imposta para a circulação de cada um dos 2.120 mototáxis da Rocinha, o tráfico arrecada R$ 318 mil. Em um mês, é quase R$ 1,3 milhão. Já a cooperativa de vans tem que desembolsar R$ 930 por semana por veículo — são 60 —, o que rende para os bandidos R$ 223.200 por mês. Investigadores da Polícia Civil ouvidos pelo GLOBO estimam que os criminosos da favela estejam faturando até R$ 12 milhões mensais, sendo mais com extorsões do que com a venda de drogas. Traficantes estão indo além das cobranças ilegais: segundo moradores, comerciantes e policiais, já estariam assumindo alguns negócios legais, como bares, restaurantes, lojas de roupas, locais de festas e salões de beleza dentro do morro.

Preços inflacionados
Com sobrepreço para garantir a propina exigida pelos criminosos, um botijão de gás custa R$ 140 na Rocinha. O mesmo produto pode ser comprado a R$ 100 no Engenho Novo, na Zona Norte do Rio, e a R$ 110, para ser entregue em Ipanema. O sinal clandestino de TV a cabo, o gatonet, recebido por 70% das casas, sai a R$ 100 mensais por família. E os planos mais baratos de internet custam R$ 99. De acordo com o Censo 2022, do IBGE, na Rocinha moram 67.199 pessoas, 2,8% abaixo da população registrada em 2010.

— As taxas aumentaram em cerca de 20%, de 2023 para 2024 — diz uma fonte, com a garantia do anonimato.

Um morador que não quis se identificar conta que, por medo, ele e os vizinhos sequer cogitam comprar botijões fora da comunidade.

— E sabemos que o motorista de van ou o mototáxi que não pagar as taxas é impedido de trabalhar. Para circular, é preciso fazer um cadastro e, com isso, eles têm todo o controle — acrescenta.

O receio de represálias também coíbe as denúncias: em todo o ano passado, foram apenas 11 registros de extorsão na área da 11ª DP (Rocinha). Desde 2014, quando começou a série história, foram 38 casos na região.

As extorsões a mototaxistas e motoristas de vans e a exploração de gatonet, por exemplo, são práticas antigas na Rocinha. Mas os negócios se expandiram, e os valores ficam cada vez mais altos, estrangulando o orçamento das famílias. A estimativa dos investigadores é que o faturamento da quadrilha na favela, com todas as atividades ilegais, oscile entre R$ 10 milhões e R$ 12 milhões por mês, incluindo a venda de armas e a “hospedagem” de bandidos de outros estados — como Goiânia, Ceará, Espírito Santo e Manaus — acolhidos na favela. Desse total, de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões seriam com venda de drogas — no máximo 25%.

Outro morador conta que os locais de festas badaladas controladas por pessoas ligadas aos criminosos acontecem na Rua Dois, na Vila Verde e na Dioneia. Afirma ainda que o grupo controla o lucrativo mercado da construção civil:

— Eles estão construindo prédios com mais de três andares, por exemplo, na Vila Verde, na Dioneia, na Cidade Nova, no Laboriaux, no 99 e na Rua Dois. Tem muita quitinete, mas tem casa de dois quartos também.

Os comerciantes, prossegue, têm dificuldade de concorrer com o grupo:

— Nada impede alguém de montar seu negócio. Porém, os bandidos têm mais facilidade, podem investir mais, têm mais dinheiro. O morador acaba em desvantagem.

A mesma fonte informa ainda que o tráfico continua a impor a compra de água mineral de um único distribuidor. Já o acesso a caminhões de bebidas estaria sendo liberado ainda sem cobrança.

Hoje, a Rocinha é controlada por John Wallace da Silva Viana, o Johny Bravo, do Comando Vermelho. Ele é braço direito de Rogério Avelino da Silva, o Rogério 157, chefe do Vidigal e da Rocinha, que está cumprindo pena em presídio federal. Outro homem considerado poderoso e temido na Rocinha é conhecido como Goiabada. O traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem, da facção Amigo dos Amigos (ADA), que controlava a Rocinha antes de Rogério 157, está preso desde 2011 e não tem mais poder algum na comunidade.

— Mas as casas e os aluguéis que ele tinha permanecem com ele. Ninguém mexeu em nada dele — garante um comerciante.

‘Questão esperada’
Para o coronel reformado da PM José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança, é algo previsto que o faturamento com outros negócios acabe superando o da venda de drogas:

— Era uma questão esperada, assim como as milícias acabaram entrando nos negócios do tráfico em regiões da Zona Oeste. O tráfico, de uma maneira geral, se vangloriava de que não perturbava a vida cotidiana dessas comunidades. Mas não há restrições para quem está na prática do crime junto às comunidades. Era questão de tempo, porque os traficantes não têm limite moral.

Sinal de fracasso
José Vicente destaca ainda que o avanço do tráfico revela o fracasso do Estado no controle das regiões, mesmo de uma que está no coração da Zona Sul:

— A Rocinha é o modelo do fracasso do Estado, do Estado como ente, sem se referir apenas à segurança pública.

A economista Joana Monteiro, coordenadora do Centro de Ciência Aplicada à Segurança da Fundação Getulio Vargas, conta que esse processo ocorre há um tempo e tem como premissa o controle territorial das organizações criminosas:

— Vemos no Rio um processo de diversificação econômica grande das organizações criminosas. Foi um aprendizado gerado pelos grupos milicianos: a partir do momento que você controla o território, competindo com o Estado, tem uma base para explorar uma série de negócios.

As polícias do Rio reforçam a necessidade de que denúncias sejam registradas para ajudar nas investigações e na análise das manchas criminais. É possível fazer denúncias pela Central 190, pelo aplicativo RJ 190 ou pelo Disque-Denúncia (onde o anonimato é garantido). Em nota, a Polícia Civil afirma que a 11ª DP (Rocinha) tomou conhecimento das denúncias de extorsão nas redes sociais e vai analisar os fatos para responsabilizar os envolvidos.

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Postado em 31 de janeiro de 2024