Prisão de deputado no caso Marielle e julgamento sobre fórum de parlamentares ampliam atritos entre Congresso e STF

Dois episódios recentes acirraram os ânimos de parlamentares sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e ampliaram o leque de desgastes entre o Legislativo e o Judiciário. O primeiro deles foi a prisão, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), apontado como um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco. O outro foi o avanço do julgamento que pode ampliar o foro especial de deputados e senadores para depois do fim do mandato. A análise do tema foi interrompida na sexta-feira com o placar de 5 a 0 a favor da extensão.

A insatisfação dos parlamentares vem se acumulando. No início de fevereiro, na volta do recesso, líderes partidários levaram ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a ideia de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição para cegar congressistas de medidas judiciais. A chamada PEC da Blindagem prevê, entre outros pontos, a exigência de autorização do Congresso para o início de apurações contra parlamentares e acabar com o foro privilegiado de congressistas, na contramão do que o STF caminha para decidir.

A iniciativa, que ainda não saiu do papel, tinha como pano de fundo de operações da Polícia Federal, autorizada pelo STF, contra os deputados Carlos Jordy (PL-RJ) e Alexandre Ramagem (PL-RJ). Nas duas graças, agentes da PF vasculharam os gabinetes dos parlamentares na Câmara em busca de provas. Líder do partido de Lira na Câmara, Dr. Luizinho (PP-RJ) diz que o tema segue em debate:

— Há uma preocupação unânime entre os líderes pelo respeito ao exercício dos mandatos. Estamos tentando encontrar um meio-termo.

Enquanto isso, os parlamentares da direita cobram que Lira se posicione de forma mais enfática em defesa da classe e contra o que chamam de “abusos” da Corte contra membros da oposição. Eles sustentam que as operações policiais são parte da perseguição política contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Neste contexto, o adiamento da análise da prisão de Brazão, após um pedido de vista na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na semana passada, foi interpretado como um recado da Câmara à Corte. Parlamentares afirmam que, embora não estejam dispostos a romper a medida para não enfrentar o desgaste de soltar um acusado de ser mandante de, postergar a decisão é uma forma de manifestação o descontentamento.

Além disso, como revelou o colunista do GLOBO Lauro Jardim, os deputados ficaram especialmente irritados com um detalhe na prisão de Chiquinho Brazão. Ao desembarcar em Brasília o avião da PF, o parlamentar e seu irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio Domingos Brazão, foram algemados, o que não aconteceu com o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil, que também foi preso suspeito de participação no planejamento da morte da vereadora.

Sem comentar qualquer possibilidade de “revanchismo” em relação ao STF, Lira afirmou na terça-feira, quando a análise foi adiada, que a prisão de Brazão é um caso “sensível” para os deputados e será tratado “com cuidado”.

Já em relação ao julgamento que mudou o entendimento atual sobre o foro privilegiado, os deputados da oposição já preparam uma contraofensiva no Congresso. Enquanto o STF caminha para ampliar as possibilidades que uma autoridade terá seu caso julgado na Corte, a intenção de parlamentares é colocar em votação uma PEC que restringe a atribuição do STF para analisar crimes de apenas cinco pessoas: o presidente da República, o vice- presidente e os chefes da Câmara, do Senado e do próprio STF.

Mas, se hoje a tensão do Congresso com o STF se concentrou na Câmara, no ano passado o foco estava no Senado, que chegou a aprovar uma PEC que limita as decisões tomadas individualmente pelos ministros do Supremo. A iniciativa passou por dois turnos com o mesmo cartaz, 52 votos completos e 18 contrários. A proposta, entretanto, não foi levada por Lira ao plenário da Câmara, apesar de pautada e defendida publicamente pelo presidente da Casa vizinha, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O pacote anti-STF no Senado inclui ainda uma PEC que limita o mandato dos ministros da Corte, também defendida por Pacheco. A proposta aguarda para ser votada na CCJ do Senado. A comissão aprovou no mês passado, em fato à retomada do julgamento do STF sobre a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, um projeto de Pacheco que leva para a Constituição a definição de que é crime possuir ou portar drogas, independentemente da quantidade .

Ministros minimizam
Em outro lance, o Congresso e o Judiciário tiveram entendimentos diferentes sobre o marco temporal para a demarcação das terras indígenas. O STF considerou esta tese inconstitucional, mas em seguida os parlamentares aprovaram um projeto neste sentido. O texto foi vetado pelo presidente Lula, mas os congressistas derrubaram o veto. O início do julgamento sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação também provocou consequências no Congresso.

Na outra ponta, os ministros do Supremo minimizam os conflitos e dizem que se limitam a julgar as questões que acontecem à Corte. Os magistrados entendem que embora a elaboração da pauta de julgamentos tenha componentes políticos — ora atenda a interesses do Executivo, ora exerça pressão para que o Legislativo encaminhe determinados assuntos — é preciso que os processos que chegam ao tribunal sejam analisados, sob pena de omissão.

Por isso, uma ala de ministros minimiza as reações do Congresso e pontua que este tipo de disputa sempre ocorreu, especialmente em momentos em que a Corte ganha mais protagonismo. Segundo este entendimento, a relação entre Congresso e STF está sempre se equilibrando em momentos de maior ou menor profundidade.

Choques entre os Poderes
INSATISFAÇÃO

Algemas: Deputados se incomodaram com o tratamento dado ao colega Chiquinho Brazão, presos por suspeita de ser o mandante do assassinato de Marielle Franco. Ao desembarcar em Brasília, o parlamentar foi algemado, o que não aconteceu com o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil e também acusado de envolvimento no planejamento do crime.
Alçada: Os parlamentares têm se queixado sobre a suposta tentativa do Legislativo Supremo sobre questões como criminalização do porte de drogas e aborto. Congressistas reclamam de invasão de competência.
Buscas e apreensão: Deputados sustentam que operações da PF, autorizadas pelo STF, que vasculharam gabinetes de Carlos Jordy (PL-RJ) e Alexandre Ramagem (PL-RJ), são perseguições políticas e cobram posicionamento do presidente da Casa, Arthur Lira (PP -AL).
REAÇÃO

Votação adiada: O adiamento da análise da prisão de Chiquinho Brazão, após um pedido de vista na CCJ, foi interpretado como um recado da Câmara ao STF. Os parlamentares afirmam que postergaram a decisão declarada o descontentamento com o episódio da algema.
Blindagem: Há colaboração para aprovar uma PEC para proteger congressistas de medidas judiciais. Entre os pontos propostos está a autorização, pelo Congresso, do início de qualquer apuração contra parlamentares, e o fim do foro privilegiado de deputados e senadores, na contramão do que o STF caminha para decidir.
Pauta anti-STF: O Senado chegou a aprovar uma PEC que limita as decisões monocráticas de ministros do Supremo, mas a proposta parou na Câmara. Defendido pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, o pacote também quer limitar o mandato dos ministros da Corte.

O GLOBO

Postado em 2 de abril de 2024