Jovens nem-nem podem reduzir em 10 pontos porcentuais potencial de crescimento do PIB em 30 anos

Projeção foi feita com exclusividade para o ‘Estadão/Broadcast’ pelo economista Paulo Tafner, com base na faixa de 25 a 29 anos; além de impactos econômicos, inatividade aprofunda problemas sociais e de saúde mental, segundo especialistas

Os jovens de 25 a 29 anos que não estudam nem trabalham podem levar a uma perda de até 10 pontos porcentuais no potencial de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro ao longo de 30 anos. A projeção foi feita com exclusividade para o Estadão/Broadcast pelo diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) e especialista em Previdência, Paulo Tafner. Para chegar a tal indicativo, ele projetou qual seria a expansão da renda da população brasileira nessa faixa etária caso estivesse em um nível de escolaridade mais alto, similar ao do Chile.

De acordo com o dado divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 6 de dezembro, o Brasil tinha cerca de 10,9 milhões de nem-nem em 2022, considerando a faixa etária completa dos que não estudam nem trabalham, que vai de 15 a 29 anos, conforme classificação da instituição. A situação é considerada crônica no País, que não consegue reduzir esse contingente, e provoca diversos problemas sociais e de saúde mental, além das questões econômicas, segundo especialistas (leia mais abaixo). Do total dos que estão fora das escolas e do emprego, 36,45% tinham entre 25 e 29 anos, ainda segundo a Síntese de Indicadores Sociais 2023 do IBGE.

“Eles são numerosos e são jovens. São pessoas que vão deixar de produzir por toda uma vida”, diz Tafner. Isso ocorre porque a juventude brasileira tem baixa escolaridade, inserção ruim no mercado de trabalho e, quando ficar mais velha, sairá precocemente do emprego, fatores que impactam na produtividade do trabalhador, de acordo com a análise do pesquisador.

A projeção considerou a renda gerada por essa população e a correlação com o PIB. No estudo, Tafner avalia as mudanças demográficas globais para considerar o intervalo de 30 anos. A população estudada deve viver o auge da capacidade de trabalho e contribuição para a economia nesse período. A tendência é a de que o Brasil passe pelo pico populacional desse grupo etário na próxima década.

Embora a faixa etária dos nem-nem pelo IBGE seja mais ampla, o estudo priorizou o grupo restrito por ser majoritariamente responsável financeiramente pelo domicílio em que vive. O restante dos nem-nem ainda é dependente (15 a 17 anos) ou está em processo de emancipação (18 a 24 anos). “Esse contingente focado no estudo atinge o ponto mais elevado de participação no mercado de trabalho”, afirma Tafner.

Segundo o especialista, o potencial de alta do PIB do Brasil é de até 40% nas próximas três décadas. No estudo, Tafner considera que 22% de todos os brasileiros que têm entre 25 e 29 anos são nem-nem. Esse contingente gera uma perda de até 10 pontos porcentuais no que poderia expandir a economia brasileira. “Em vez de gerar 40% de crescimento a mais, geraria 30%”, conclui, considerando o potencial produtivo da faixa etária analisada.

“Eles são numerosos e são jovens. São pessoas que vão deixar de produzir por toda uma vida”

Paulo Tafner

diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS)

O estudo Principais Desafios para a Juventude no Brasil e Impactos sobre a Renda e a Produtividade, realizado por Tafner, em outubro de 2023, junto com Sérgio Guimarães Ferreira e Leandro Rocha, ambos do IMDS, e Samuel Franco e Débora Leandro, da Oppen Social, avaliou como os jovens de 15 a 29 anos estão inseridos na sociedade brasileira, quais são suas dificuldades e potencialidades, e como eles podem contribuir para o crescimento do Brasil.

O Chile, país utilizado para fazer a comparação de nível educacional com Brasil, tinha 40,5% da sua população com ensino superior completo em 2020. Já aqui esse índice não era superior aos 23%. No país vizinho, o PIB per capita é 1,5 vez maior do que o brasileiro.

Segundo um levantamento feito em 2022 pela PwC, que utilizou dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Chile ocupa o 32º lugar entre os países-membros com maior taxa de empregabilidade de jovens. Outros países da América Latina que estão no relatório são México (27º), Peru (35º), Costa Rica (36º) e Colômbia (37ª). O Brasil não foi analisado neste estudo por ainda não fazer parte da OCDE.

Já no Reino Unido, o estudo da PwC mostrou que o PIB poderia aumentar em 38 bilhões de libras caso a quantidade de jovens nem-nem, que em 2020 chegava a 14% no país, fosse reduzida para o nível alemão, que tinha 8,4%. A Alemanha foi utilizada como comparação por ter, na época, a segunda menor taxa de desemprego da OCDE e a terceira menor taxa de jovens nem-nem de 20 a 24 anos.

MULHERESNEM-NEM GERAM MAIS PERDA NO PIB DO QUE HOMENS

As mulheres nem-nem têm maior peso nessa projeção feita por Tafner. Para ele, isso ocorre pelo fato de elas serem, em média, mais escolarizadas do que os homens e porque a taxa de participação dos jovens no mercado de trabalho aumenta conforme completam as etapas de ensino.

Por isso, o especialista defende que investir em políticas públicas para tirar as mulheres da condição de nem-nem pode melhorar o nível de escolaridade da nação e, consequentemente, reduzir a perda do potencial de crescimento do PIB. “Se tiver de investir em nem-nem como política pública, o ideal é investir em todo mundo. Mas, se eu tivesse de investir pensando em PIB, eu focaria nas mulheres”, diz. Tafner calcula que o investimento em mulheres pode reduzir essa perda estimada para o potencial de crescimento de até 10 pontos porcentuais para 3 pontos porcentuais.

7 milhões
É o número de mulheres entre 15 e 29 anos que se enquadram como nem-nem no País
Conforme a síntese de indicadores do IBGE, divulgada no início de dezembro, as jovens mulheres entre 15 e 29 anos que nem estudam e nem trabalham eram cerca de 7 milhões em 2022, representando 63,4% de um total de aproximadamente 10,9 milhões de nem-nem no País. Dessas, 2 milhões estavam cuidando de parentes e dos afazeres domésticos, também de acordo com a síntese.

As mulheres entram na equação nem-nem por duas razões principais: gravidez precoce e maior participação no cuidado de outras pessoas em casa, segundo a economista e pesquisadora do Instituto Singularidades, Claudia Costin. “Na verdade, ela trabalha, mas é um trabalho que não é reconhecido como trabalho produtivo, que é o cuidado dos irmãos mais jovens ou de uma criança que nasceu dela ainda adolescente”, explica.

“Na verdade, a jovem nem-nem trabalha, mas é um trabalho que não é reconhecido como produtivo, que é o cuidado dos irmãos mais jovens ou de uma criança que nasceu dela ainda adolescente”

Claudia Costin

economista e pesquisadora do Instituto Singularidades

O trabalho doméstico informal não é calculado como fator de produtividade para a economia, de acordo com Marcelo Neri, economista e diretor da Fundação Getulio Vargas (FGV Social) e fundador do Centro de Políticas Sociais (FGV Social/CPS). “O trabalho doméstico não é computado quando se calcula o Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo. As mulheres que cuidam dos filhos e dos idosos estão trabalhando. É um trabalho que existe e é importante, mas, em geral, não é considerado nas estatísticas e nem nas análises.”

Caso as mulheres nem-nem voltassem aos estudos, o potencial de desempenho traria mais resultados do que os homens porque a média de escolarização delas é superior à deles. “A taxa de mulheres nem-nem é muito mais alta do que a dos homens. É uma questão de gênero. Isso reflete um pouco a cara da desigualdade brasileira, que discrimina pretos, pessoas da periferia e mulheres”, afirma Neri.

Para a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante, a situação previdenciária pode enfrentar um desequilíbrio nas contas em decorrência da queda na taxa de natalidade ao longo dos anos somada à ausência da força de trabalho ativa, como o público de mulheres nem-nem. “Somos de uma geração que ninguém quer ter filhos ou se arrisca a ter apenas um. Vivemos em um período de inversão dessa pirâmide demográfica, com menos nascimentos e as pessoas vivendo por mais tempo. Por isso, a importância de ter as pessoas contribuindo em idade ativa.”

Estadão

Postado em 3 de janeiro de 2024