Ibama tem déficit de metade de especialistas em meio ambiente e categoria ameaça parar

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​( Ibama ) tem apenas metade (49,2%) dos servidores especialistas em meio ambiente em atividade, o que ilustra o tamanho do rombo no quadro funcional da instituição. Nesta semana, houve anúncio de suspensão das atividades de fiscalização , o que poderesultar em uma greve em larga escala da categoria, responsável por fiscalizar crimes ambientais, como garimpo e exploração ilegal de madeira, na Amazônia e em outros biomas.

A contratação de mais servidores é uma das principais reivindicações dos funcionários, que enviaram carta ao presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. A pressão contra o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se estende desde o ano passado e ameaça prejudicar a estratégia de intensificar as fiscalizações, o que já tem reduzido as taxas de desmate.

Do restante das vagas do órgão, o restante se aposentou (cerca de 41,6%). Também há aqueles que morreram e/ou foram indicadas pensões em seus nomes (em cerca de 9,2%). Os dados divulgados a novembro, os mais recentes disponíveis, e estão no Painel Estatístico de Pessoal do governo federal. Hoje, conforme o painel, há apenas 2.925 servidores do Ibama de carreira ambiental atuando no País.

O número contrasta com o tamanho da responsabilidade. Esses funcionários atuam, em geral, na fiscalização de crimes ambientais nos biomas de todo o Brasil, na concessão de licenciamento, em pesquisas etc. “Não tem como parar para almoçar”, reclama uma das agentes. (leia mais abaixo)

Os servidores da área ambiental – junto aos técnicos do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e do Serviço Florestal Brasileiro (SFB) – são responsáveis ​​por monitorar 336 unidades de conservação, além de terras indígenas, combate a incêndios, entre outras funções.

Nesta sexta-feira, 5, servidores que atuam no licenciamento ambiental se reúnem para debater a possível paralisação. Caso se decidisse interromper esse serviço, haveria impactos, por exemplo, na concessão de licenças de exploração de petróleo e gás, entre outras. Na quinta-feira, 4, servidores do ICMBio, órgão responsável pelas unidades de conservação, também aderiram à mobilização.

Uma reunião do conselho de entidades da Associação Nacional dos Servidores de Carreira de Especialistas em Meio Ambiente (Ascema), também na quinta, convocou assembleias em todo o país a partir da próxima semana para deliberar sobre a paralisação de atividades de campo.

Em agosto, nota técnica feita pelo Ibama para justificar ao Ministério da Gestão a necessidade de abertura de concursos públicos dimensionou o déficit. Gráfico anexado no documento, ao qual o Estadão teve acesso, mostra queda de 36,5% dos servidores ativos no Ibama nos últimos 15 anos.

Isso é puxado, principalmente, pela alta de aposentadorias não repostas. O órgão pediu abertura de 2.408 vagas por meio de concurso, que está prevista para este ano.

Outra tabela feita pelo Ibama mostra que mesmo que a quantidade de vagas esteja aberta, o número ainda seria insuficiente para suprir as deficiências. Considerando todos os pedidos feitos pelas divisões do Ibama, incluindo superintendências estaduais e a sede, a demanda por cargas para funcionar plenamente é de 4.915 servidores.

Em novembro, o próprio Ibama admitiu ao Estadão que uma estrutura de combate a incêndios na Amazônia era também necessária , após algumas regiões da floresta vigiarem registros de queimadas e ao avanço de nuvens de fumaça em Manaus e outras cidades.

“Os servidores estão se voltando para o trabalho burocrático nos escritórios, mas, no efeito a médio prazo, diversas operações programadas para os próximos períodos devem ser afetados caso não haja a mesa de negociação e a proposta do governo em relação às reivindicações centrais que os servidores fornecem extremamente importante para continuar o trabalho”, afirma Cleberson Binho Zavaski, presidente da Ascema.

Segundo ele, com a interrupção de fiscalização, vistoria, licenciamento e pesquisa, a primeira operação do ano de combate a crimes ambientais já começa a ser afetada. A carta de reivindicação dos trabalhadores do Ibama é extensa e inclui, além de concurso, melhoria salarial, como a inclusão de uma gratificação por atividade de risco para servidores que atuam no campo na fiscalização e em outras atividades consideradas perigosas.

Em 21 anos de Ibama, o fiscal Roberto Cabral já viu em diversas situações de risco. Na mais grave delas, em 2015, Cabral foi baleado em uma emboscada feita por madeireiros na Terra Indígena Araribóia, no Maranhão. Na ocasião, ele atuou no combate a incêndios na região. Desde então, segundo ele, a integração de facções com crimes ambientais tornou o cenário ainda mais grave.

“Tem risco real no meio do mato. A gente ganha maquinário, interfere na logística e no ganho financeiro (dos bandidos) . Antes, eram associações criminosas para fazer garimpo e exploração madeireira. Agora enfrentamos facções criminosas. Enquanto isso, o governo tem surfado na onda com base na exploração do trabalho quase voluntário dos agentes”, afirma.

A “onda” mencionada por Cabral é a queda de 22% nos índices de desmate na Amazônia , segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O dado mostrado redução expressiva do desmate no período de agosto de 2022 a julho de 2023, que foi puxado pela intensificação das ações de fiscalização após o início do governo Lula.

Esses resultados foram exaltados pelo governo Lula, principalmente na 28ª Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-28), em Dubai, no mês passado.

Além da gratificação pela proteção de risco, os servidores cobram maior estruturação de carreira, com adicionais relacionados à localidade de atuação, como a “indenização de fronteira”, que hoje paga a agentes da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Federal, da Receita e dos ministérios da Agricultura e Pecuária e do Trabalho que atuam em áreas estratégicas.

Fiscal do Ibama, Ana Karoline Santana atuou nas ações de fiscalização da Terra Indígena Yanomami no ano passado. Segundo ela, os riscos aos quais os fiscais estão expostos não condizem com as remunerações desatualizadas da função e falta de estrutura do órgão.

“Na Terra Indígena Yanomami, a gente precisa chegar a esses garimpos ilegais, muitas vezes próximos da fronteira, longe da cidade. As condições são mínimas. A gente trabalhou com efetivo baixíssimo de pessoas, e ainda assim resultados apresentam. Num dia que a gente tem que visitar dez pontos, não consegue, porque não tem número eficaz de pessoas, o trabalho fica defasado.”, relata. “Não tem como parar para almoçar, descansar. Tem questões de higiene, de água, de comida. A gente desidratada.”

O último concurso realizado pelo Ibama em 2021, prevê pagamentos de R$ 4.063,34, já com gratificação e o auxílio-alimentação, para a carga de técnico ambiental. Boa parte dos fiscais hoje em campo está nessa carga. Para a função de analistas ambientais e administrativos, a remuneração incluída foi de R$ 8.547,64, também com gratificação e auxílio.

Em nota, o Ministério do Meio Ambiente afirmou que a restrição das carreiras ambientais é prioridade. Disse ainda conversar com a pasta da Gestão para que seja apresentado o cronograma da negociação. O Ibama não respondeu até a publicação da reportagem.

Já o Ministério da Gestão disse que, no ano passado, fechou acordo de “reajuste linear de 9% para todos os servidores, inclusive para os do Ibama, além do aumento de 43,6% no auxílio-alimentação”. Além disso, afirmou que segue aberto ao diálogo com os servidores do Ibama e dos outros órgãos e relata ter fechado sete acordos para reestruturação de carreiras. Segundo a pasta, recompor a força de trabalho da administração pública federal é pautada prioritária.

Estadão

Postado em 6 de janeiro de 2024