Fiocruz defende inclusão da maconha medicinal no SUS; veja o que diz a instituição

O Programa Institucional de Políticas de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicou nesta quarta-feira uma nota técnica em que aborda as evidências científicas mais robustas sobre os benefícios da cannabis medicinal e defende uma eventual inclusão dos medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo comunicado de divulgação do documento, o objetivo da nota é “oferecer direitos técnicos para as instituições responsáveis ​​pela legislação, regulamentação, pesquisa, produção, padronização, distribuição e uso da cannabis e consequências para fins terapêuticos no Brasil”.

Em relação ao acesso ao tratamento pela rede pública, a nota diz que “é necessário assegurar uma prescrição abrangente e eficiente, que viabilize a produção, prescrição e acesso gratuito e universal, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a uma ampla gama de formas farmacêuticas da cannabis e derivadas, sempre respaldadas por evidências sólidas de segurança e eficácia terapêutica”.

Como mostrou reportagem do GLOBO , a demanda pela terapia entre os brasileiros saltou 9,311% desde que a importação de produtos de cannabis medicinal passou a ser autorizada no país pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em 2015. No ano passado, foram 79.995 novos pacientes autorizados em 2022, quase o dobro do ano anterior, quando foram 40.070 liberações.

No entanto, o total ainda é baixo em relação ao número de doenças que podem ter os sintomas aliviados por meio do tratamento. Além disso, envolve altos preços, obrigações e prazos de entrega por serem trazidos do exterior.

A agência até permite que algumas dezenas de medicamentos sejam comercializados por drogarias no Brasil, porém a ainda baixa demanda, junto a um desconhecimento dos profissionais para prescrever a cannabis medicinal, faz com que poucos e caras as ofertas dos produtos com CBD e THC em farmacias brasileiras.

“É necessário ampliar a capacitação de médicos e outros profissionais de saúde sobre o uso terapêutico da cannabis e seus derivados, para que possam prescrever e tratar com mais confiança e conhecimento. Além disso, é necessário seguir na regulação dos produtos à base de canábis, para que sejam produzidos nacionalmente e distribuídos de forma segura e eficaz”, defende a nota técnica.

O que é uma cannabis medicinal?
A cannabis medicinal é um termo que se refere aos medicamentos feitos à base de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC), duas das cerca de 500 substâncias da planta Cannabis sativa (canabinoides) – a mesma utilizada para a produção da droga, ilegal no Brasil .

Porém, embora o THC de fato seja responsável pelo efeito psicoativo, isso ocorre apenas em níveis superiores às autorizados pela Anvisa, que estabelece um teor máximo de 0,2%. Ele apenas é permitido em uma concentração maior apenas em casos específicos de cuidados paliativos de pacientes sem alternativas terapêuticas e em situações clínicas irreversíveis ou terminais.

São muitos os relatos pessoais sobre experiências positivas com cannabis medicinal, para as mais manifestaram doenças, que têm repercutido nos últimos anos, porém a Fiocruz destaca na nota quais são os diagnósticos para os quais os estudos clínicos realizados até agora de fato apontaram benefícios consistentes em aliviar os sintomas. Até então, nenhuma doença pode ser curada por fármacos.

Para quais doenças a cannabis medicinal é indicada?
“As pesquisas com maior nível de evidência – ensaios clínicos, revisões sistemáticas e meta-análises – são conclusivas ou substanciais para algumas condições de saúde quanto a segurança e eficácia dos canabinóides na redução de sintomas e melhora do quadro de saúde”, cita a nota . As condições listadas são:

Dor crônica – “Diferentes formulações contendo canabinóides apresentam uma redução significativa da dor em pessoas diagnosticadas com certos tipos de dor crônica. Dezenas de ensaios clínicos randomizados manifestaram a meta-análises admirados que a redução da dor foi maior no grupo que recebeu canabinóides em relação ao grupo controle”.
Epilepsia refratária (resistente aos métodos tradicionais) – “Estudo de meta-análise com seis ensaios clínicos randomizados diminuiu significativamente nas frequências de crises no grupo tratado com canabinoides em relação ao grupo controle. Em geral, os participantes eram resistentes aos medicamentos de referência e encontraram nos canabinóides um tratamento eficaz para atenuar as crises convulsivas”.
Espasticidade da esclerose múltipla – “Mais de uma dezena de ensaios clínicos randomizados encontrou efeito significativo do tratamento com canabinóides na redução da espasticidade [aumento involuntário da contração muscular] decorrente de esclerose múltipla. Outros sintomas associados à esclerose múltipla não apresentaram melhora com o tratamento em teste”.
Náusea, vômitos e perda do apetite – “Os canabinóides foram eficazes na redução de náuseas e vômitos ligados à quimioterapia. Limitações metodológicas fazem os resultados ainda apresentarem baixo nível de confiança. Uma meta-análise mostrou a eficácia dos canabinóides em aumentar o apetite em comparação aos grupos de controle”.
Transtornos neuropsiquiátricos – “Como a doença de Parkinson e distúrbios do sono – experimentaram melhora significativa dos sintomas, com o tratamento com canabinóides em relação ao controle com um nível de evidência”.
Além destes, o documento destaca que há outras dezenas de doenças para as quais a cannabis medicinal vem sendo estudada, mas que ainda não têm resultados conclusivos. Algumas delas são o Transtorno do Espectro Autista (TEA), a esclerose lateral amiotrófica, artrite reumatóide, semelhante, como o Alzheimer, entre outras.

O Programa Institucional de Políticas de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Fiocruz, responsável pela nota, foi criado neste ano a partir da reformulação do antigo Programa Institucional Álcool, Crack e outras Drogas (PACD), que funcionava desde 2014.

GLOBO

Postado em 20 de abril de 2023