‘Estou querendo ser patrão agora’, afirma Murilo Benício

“Tem umas coisas em São Paulo que não saem de moda, né?”, diz Murilo Benício , quando chega sua salada Spot no restaurante de mesmo nome , na região dos Jardins, onde almoçamos na semana passada. “Essa salada só tem aqui, eu peço sempre, mas não vinha a São Paulo havia muito tempo. Estava com saudade.”


A salada Spot tem alface americana rasgada, nozes, aipo, pera seca cortada em tiras, salsinha, um mix de cream cheese com gorgonzola e um molho básico. Murilo pede também uma coxa de frango desossada e bebe um suco de limão sem açúcar nem adoçante.

“Estou investindo em disciplina agora, que é uma coisa que eu nunca tive”, afirma o ator, que, além de prestar mais atenção ao que vem, tem acordado todos os dias às sete horas da manhã para correr na lagoa Rodrigo de Freitas , no Rio de Janeiro, “detestando cada minuto”.


Na parte da tarde, faz ginástica com um personal trainer, que contratou para ter um compromisso e não deixa o treino para outro dia ou outra hora e acaba não fazendo, como era o traje.


Murilo mora sozinho em uma casa cinematográfica com vista para o mar e para o Cristo Redentor, de quatro andares, com um porão com mesa de pingue-pongue e pista de skate que construiu do zero, botando todas as ideias de como seria sua casa dos sonhos em prática. O projeto foi feito pelo arquiteto Miguel Pinto Guimarães.


Rodeada de natureza por fora, com muita luz natural e muitas plantas na parte interna, a casa tem um container vermelho acoplamento e todo decorado para ser como uma suíte de hotel para o filho mais velho do ator, Antônio Benício Negrini, que hoje tem 26 anos e mora em São Paulo. Ele é filho de Murilo com a atriz Alessandra Negrini , sua primeira mulher

Murilo também é pai de Pietro Benício Antonelli , de 18 anos, que está passando uma temporada em Los Angeles e é filho da atriz Giovanna Antonelli , com quem também foi casado.


Ele conta que não teve problema nenhum na hora de registrar o primeiro filho com o seu sobrenome antes do sobrenome da mulher, o que não é a regra no Brasil. “Mas quando fui registrar o segundo, foi uma confusão. Só consegui porque mostrei que tinha um precedente, que era o Antônio.”


Benício, ele diz, é um sobrenome inventado, na verdade um erro. Seu avô, português, se chamava Vinícius, e imigrou para o Brasil bem jovem. Chegando no porto de Santos, o oficial da alfandega que o recebeu disse o seu nome, e ele, com sotaque carregado, falou “Vinícius”, mas o oficial entendeu Benício. Ficou assim.


O nome inteiro do ator é Murilo Benício Ribeiro, sobrenome de seu pai. “Mas todo mundo é Ribeiro, não quer dizer nada, então adotei o Benício quando comecei a trabalhar”, afirma. Não tive como discordar.


Murilo veio a São Paulo acompanhar a pré-estreia de seu segundo longa-metragem como diretor, “Pérola” , baseado em uma peça do dramaturgo Mauro Rasi (1949-2003), um dos criadores do estilo teatral conhecido como besteirol e das séries de TV icônicas “Armação Ilimitada”, “TV Pirata” e “Sai de Baixo”, da Rede Globo .

“Pérola” é uma peça de 1995 e foi uma montagem-fenômeno. Ficou anos e anos em cartaz e revelou a atriz Vera Holtz , que interpretava o personagem-título, e o ator Emílio de Mello , alter ego do dramaturgo. A trama parte da morte da mãe do escritor, chamada Pérola, e contou histórias da infância e da adolescência dele em Bauru, cidade do interior de São Paulo onde nasceu e foi criada.


A Pérola do Cinema é interpretada pela atriz Drica Moraes , e é uma mãe forte, carismática, engraçada, mas também difícil e muito crítica, que comanda a família sem deixar a diversão em segundo plano —no caso, as bebidas preparadas pelo marido e as fofacas com as irmãs— e alimenta o sonho de morar em uma “mansão com piscina e 15 metros de frente”.


O projeto de Murilo Benício é muito antigo, e nasceu quando ele assistiu à montagem teatral com Vera Holtz e Emilio de Mello. Ele foi acompanhado do dramaturgo, que o convidou para viver seu alter ego em uma outra peça, chamada “As Tias de Mauro Rasi”, de 1996, quase um spin-off de “Pérola”.


“A gente foi junto ao teatro e depois saiu para o jantar para ele me contar como era a nova peça, mas eu fiquei completamente impactado por ‘Pérola’ e disse para ele logo na saída: ‘Você tem que filmar isso hoje'”, relembra Murilo.


Mas as coisas acontecem como as coisas acontecem. Murilo fez a peça “As Tias de Mauro Rasi”, em 1996, que fez sucesso, mas não foi um frequentador, e passou a alternar novelas e séries na TV Globo com filmes e peças de teatro. Mostrou tanto talento cômico quanto dramático, foi mocinho, vilão, galã, bandido, rico, pobre, feio, bonito. Fez até um filme em Hollywood, em 2000, ao lado de Penélope Cruz , chamado “Woman on Top”, lançado aqui como “Sabor da Paixão”.

Desde cedo começou a ter vontade de dirigir, mas só aos 40 anos consegui tirar o primeiro projeto da gaveta. Foi o filme “Beijo no Asfalto”, lançado em 2018 , baseado em uma peça icônica de Nelson Rodrigues escrita em 1960. Feito todo em preto e branco, o longa tem Lázaro Ramos no papel principal e Débora Falabella, Otávio Muller, Stenio Garcia e Fernanda Montenegro nos papeis secundários.


“Demorei muito para fazer o meu primeiro filme, queria ter feito dez anos antes”, afirma Murilo. “Mas tudo bem, li recentemente uma entrevista do Ridley Scott [diretor de “Blade Runner” e “Gladiador”, entre outros] em que ele contou que só começou a dirigir filmes depois dos 50 anos. E ele fez coisas incríveis.”


Murilo também está com vontade de fazer coisas incríveis. E dele. “Estou com 52 anos e há quase 30 sou contratado pela TV Globo. Acho que está perdendo o sentido viver só nessa realidade. Estou querendo ser patrão agora.”


Além do lançamento de “Pérola”, Murilo está envolvido com o roteiro de um outro filme e de uma série. Pela primeira vez, está se arriscando como roteirista. “Já escrevi algumas coisas, mas não levei adiante porque tinha uma barreira. Eu tenho muito respeito pela escrita, acho muito difícil”, afirma.


Reuniu um grupo de pessoas com quem já gostava de trabalhar, explicou detalhadamente o que era a sua ideia, ou as suas ideias, para um filme e uma série, e começou a trabalhar. Não quis dar nenhum detalhe nem de um nem de outro, mas contorno que na série está com um parceiro de roteiro muito especial: seu filho Antônio, “um cabeçudo, que lê tudo”.


Sobre o filme, apenas revelou que é um projeto grande, “está em outro patamar, de dinheiro, de escala, de tudo”. E disse que não está no elenco. Aliás, foi além: disse que não trabalhará jamais como ator em um projeto que dirigir.


“Eu me odeio ver, não saberia fazer isso. Como você fala ‘ação’, corre pro set, faz a cena, você mesmo diz ‘corta’, e depois ainda vai montar o filme? Impossível para mim. O Selton [Mello ] faz isso, ele é meu herói pessoal. Eu não tenho esse dom.”


E tem uma vida pessoal, né? Sempre uma emoção quando se trata de Murilo Benício. Conto que na página dele da Wikipédia, que li para me preparar para uma conversa, tem um histórico bastante detalhado de todos os namoros, casamentos e uniões derivadas e os motivos pelos quais os relacionamentos do passado não deram certo.


Está lá até o namoro atual, com Cecília Malan , correspondente da GloboNews em Londres, com quem ele começou a trocar mensagens de WhatsApp depois de ver uma foto do pai dela, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan , do governo Fernando Henrique Cardoso ( 1995–2003), no apartamento em que ela mora na Inglaterra.


“Nós dois somos apaixonados por arquitetura e ela mora em um lugar incrível”, explica. “Aí as mensagens foram ficando mais constantes, conversamos para telefonemas e uma hora decidida em encontrar”, conta. “Mas demorou, viu? Não foi uma coisa de uma hora para outra, levamos alguns meses para tomar essa decisão.”


Pela enciclopédia digital, um dos casamentos do ator e diretor terminou por “total incompatibilidade de temperamentos”, outro por “ciúmes excessivos de Murilo” e outro ainda de “forma amigável”. Conto isso para ele, que ri e esfrega uma mão na outra, como quem diz: “Você quer saber qual é qual, né?”.


Mas este é um jornal sério, não tem lugar aqui para esse tipo de mexericos. Pelo menos, não com o gravador ligado. Então desligo meu gravador bem quando a cozinha do restaurante manda, como cortesia, uma amostra das melhores sobremesas da casa.


Pedimos cada um mais um café e revelamos na próxima meia hora debruçados em um suflê de doce de leite e um merengue de morango. Deu para perceber que uma luta dele por disciplina vai ser mesmo uma luta. E outras coisas que não dá para publicar. Off é coisa séria, e promessa é para ser cumprida.

Folha de SP

Postado em 25 de setembro de 2023