Delação implica Rui Costa em fraude na compra de respiradores na Bahia

Uma investigação da Polícia Federal encontrou recomendações que ligaram o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), a irregularidades em um contrato de R$ 48 milhões para a compra de respiradores durante uma pandemia. À época, ele era governador da Bahia.

O nome de Costa foi citado em delação premiada da empresária responsável pelo negócio , que devolveu R$ 10 milhões aos cofres públicos e apresentou extratos bancários de transferências a intermediários da venda. O UOL teve acesso ao conteúdo da delação.

Os respiradores nunca foram entregues, e os valores — pagamentos adiantados — não foram totalmente recuperados.

Um dos mais influentes ministros do governo Lula , Rui Costa nega as acusações.

Foi ele, como governador, quem determinou a investigação sobre o caso — o que ele ressalta para negar envolvimento com irregularidades.

Costa afirma nunca ter tratado “com nenhum preposto ou intermediário sobre a questão das compras deste e de qualquer outro equipamento de saúde”.

O pagamento adiantado, segundo ele, era a condição de mercado “vigente” para a compra de respiradores no início da pandemia.

O ex-governador também foi considerado no depoimento à Polícia Federal feito por um ex-secretário do governo baiano, que disse ter fechado o negócio por ordem do petista.

O inquérito está em fase final na PF e corre na Justiça Federal da Bahia, pois envolve fatos do mandato anterior de Costa, antes de virar ministro. Ele governou o estado de 2015 a 2022.

O contrato, assinado em abril de 2020, no início da pandemia de covid-19, prevê a compra de 300 respiradores importados da China.

O material iria abastecer os estados integrantes do Consórcio Nordeste, presidido na época pelo petista.

A delação premiada
A empresária Cristiana Prestes Taddeo, da Hempcare, que recebeu R$ 48 milhões do governo mas não entregou nenhum respirador, fechou um acordo de delação premiada em 2022 com a vice-procuradora-geral da República na época, Lindôra Araújo.

A colaboração foi homologada pelo ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Og Fernandes, também em 2022.

Em troca de benefícios processuais, Taddeo devolveu R$ 10 milhões aos cofres públicos e confessou uma série de irregularidades no negócio.

Ela afirmou que o contrato foi redigido de forma desfavorável ao governo da Bahia, evitando pagamento adiantado.

Disse ainda que a empresa não possuía as documentações necessárias para a operação e que recebeu informações privilegiadas para apresentar sua proposta de preço ao governo.

Na delação, Taddeo afirmou ao investigador que a contratação da Hempcare foi intermediada por um empresário baiano que se apresentou como amigo de Rui Costa e pela então primeira-dama, Aline Peixoto.

Esse amigo teria cobrado o pagamento de comissões pelo negócio, que totalizaram R$ 11 milhões.

Achei que as tratativas para celebrar o contrato com o Consórcio Nordeste fizeram de forma muito rápida, mas entendi que eu estava sendo beneficiado porque havia um combinado de pagar comissões expressivas aos intermediários do governo.
Cristiana Taddeo
, empresária, em acordo de delação premiada

A PF e o Ministério Público Federal apuram se as “comissões” seriam próprias destinadas a agentes públicos.

Uma operação de busca e apreensão foi deflagrada em abril de 2022 para aprofundar as investigações sobre o caso.

Um dos alvos na ocasião foi o ex-secretário da Casa Civil Bruno Dauster, responsável pelas tratativas com a empresa.

‘Ó amigo’
Cristiana Taddeo relatou ao investigador que a negociação só avançou porque tinha a autorização do então governador Rui Costa, que assinou o contrato.

O ex-secretário Bruno Dauster confirmou, em seu depoimento à PF, que as tratativas receberam o aval de Rui Costa.

Dauster disse que houve uma flexibilização das critérios por causa do cenário mundial de pandemia, com um aumento da procura no mercado por respiradores.

A Hempcare, que arrematou o contrato milionário, não possuía qualificação nem experiência na importação de respiradores pulmonares.

A empresa foi fundada para distribuir medicamentos à base de canabidiol.

Seu capital social era de R$ 100 mil e segundo havia apenas dois funcionários registrados, a investigação.

Dauster disse que houve uma flexibilização das critérios por causa do cenário mundial de pandemia, com um aumento da procura no mercado por respiradores.

A Hempcare, que arrematou o contrato milionário, não possuía qualificação nem experiência na importação de respiradores pulmonares.

A empresa foi fundada para distribuir medicamentos à base de canabidiol.

Seu capital social era de R$ 100 mil e segundo havia apenas dois funcionários registrados, a investigação.

Foi depois disso que membros do governo da Bahia entraram em contato com a dona da Hempcare para realizar o negócio.

Na noite de 5 de abril de 2020, uma empresária recebeu um telefonema do então secretário da Casa Civil do governo da Bahia, Bruno Dauster, que manifestou interesse em comprar os respiradores da Hempcare.

Foi o próprio Rui Costa quem passou o contato da Hempcare para Bruno Dauster, segundo o depoimento dele à PF, com orientação de que negociasse com eles a compra dos respiradores.

Segundo a empresária, Dauster frisou nos diálogos que “dependia da autorização de Rui Costa dos Santos [governador do Estado da Bahia] para tomar as decisões”.

A mesma versão foi apresentada por Dauster em seu depoimento à PF, deixando claro que a palavra final era de Rui Costa.

Cléber Isaac disse de imediato que ele foi quem havia avisado a primeira-dama do governo do Estado da Bahia [Aline Peixoto, esposa de Rui Costa] que nosso grupo poderia realizar a importação dos respiradores. (…) Como Cléber Isaac e Fernando Galante eram ponte entre o grupo e o governo do estado da Bahia, eles cobraram participação nos lucros do negócio.
Cristiana Tadeu,
empresária, em acordo de delação premiada

A dona da Hempcare relatou ter concordado com o pagamento da “comissão” aos dois intermediários, mas não sabe se eles dividiram os valores com algum membro do governo da Bahia.

Foram transferidos um total de R$ 9,4 milhões para Galante e R$ 1,6 milhão para Cléber Isaac, mostram extratos bancários entregues na delação.

A PF apreendeu os celulares dos investigados e detectou conversas telefônicas entre Cléber Isaac e Aline Peixoto no período das negociações com a Hempcare.

Contrato desfavorável
Com o início das negociações, Cristiana Taddeo precisará definir um preço para a venda dos respiradores e as condições do contrato.

A empresária diz ter recebido informações privilegiadas sobre o valor máximo que o Consórcio pagaria pelos itens. A partir disso, montou a proposta, na qual cada respirador custaria US$ 28.900.

O contrato para venda de 300 respiradores totalizou R$ 48 milhões (pelo câmbio da época).

Cerca de R$ 20 milhões desse valor corresponderam ao lucro a ser dividido entre os quatro personagens envolvidos no negócio.

Bruno Dauster concluiu com o valor e autorizou a contratação.

Depois disso, um integrante do governo da Bahia telefonou para Cristiana Taddeo para pedir os dados bancários para pagamento e a minuta do contrato.

Ela disse que foi um advogado da própria empresária que redigiu o documento, em vez do próprio governo providenciar o contrato.

A minuta feita por ele era bem favorável à Hempcare e isso nunca foi questionado pelo Consórcio Nordeste, tanto é que o contrato não previa nenhuma garantia caso os respiradores não fossem entregues e essa garantia nunca foi exposta nem mencionada por nenhum agente do Consórcio Nordeste.
Cristiana Taddeo
, empresária, em acordo de delação premiada

Na sua delação, Taddeo confessou uma irregularidade relevante no negócio. Segundo ela, a Hempcare “não possui as certificações permitidas para a realização de importação de equipamentos hospitalares (Radar e AFE) e essa documentação nunca foi solicitada por nenhum agente vinculado ao governo e não foi um empecilho à contratação”.

Radar, sigla para “Registro e Rastreamento da Atuação dos Intervenientes Aduaneiros”, é uma licença do governo federal para realização de realização.

AFE, sigla para Autorização para Funcionamento, é um registro da Anvisa para diversas atividades na área da saúde, como a importação de produtos.

As comissões pagas, segundo Cristiana Taddeo
Em depoimento que integra a colaboração, a empresária contou ao pesquisador que recebeu o pagamento de R$ 48 milhões em duas parcelas, sem apresentar nenhuma comprovação sobre a importação dos respiradores da China.

Os intermediários então passaram a cobrar de Taddeo ou a repasse das comissões acertadas.

Para corroborar sua versão, ele apresentou à PF comprovantes das transferências bancárias realizadas a Cléber Isaac e Fernando Galante, que totalizaram R$ 11 milhões.

Quando fez contato com a empresa chinesa responsável pela venda dos respiradores, Cristiana recebeu a informação de que os itens não estavam mais disponíveis.

Com isso, o negócio naufragou.

Ela ainda tentou comprar respiradores produzidos por um empresário no Brasil. Também deu errado.

O secretário Bruno Dauster passou a cobrar a devolução dos recursos.

Cristiana não possuía mais a totalidade dos recursos, pois houve pagamentos de comissões e repasses para a empresa brasileira sob a promessa do fornecimento de respiradores.

Criou-se, então, um impasse para a devolução do dinheiro, até hoje não resolvido.

A Hempcare embolsou R$ 48 milhões de forma adiantada, repassou os valores para diversas pessoas envolvidas no negócio e não apresentou os respiradores.

Rui Costa determinou a ocorrência da abertura de um inquérito na Polícia Civil da Bahia.

O caso foi levado ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e à Polícia Federal após surgirem acusações da participação do então governador baiano nos fatos.

A investigação chegou à primeira instância da Justiça Federal da Bahia no ano passado.

O que dizem os envolvidos
Procurado pelo UOL , Rui Costa negou irregularidades.

Após a não entrega dos respiradores, o então governador Rui Costa determinou que a Secretaria de Segurança Pública da Bahia abrisse uma investigação contra os autores do desvio dos recursos destinados à compra dos equipamentos. Os mesmos foram presos pela Polícia Civil por ordem da Justiça baiana semanas após uma denúncia.
Nota enviada pela assessoria de Rui Costa

O ex-governador também se justificou dizendo que, durante a pandemia, as compras realizadas “no mundo inteiro foram feitas com pagamento antecipado”.

“O ex-governador nunca tratou com nenhum preposto ou intermediário sobre a questão das compras deste e de qualquer outro equipamento de saúde. Durante a pandemia, as compras realizadas por estados e municípios no Brasil e no mundo inteiro foram feitas com pagamento antecipado. era a condição vigente naquele momento. O ex-governador Rui Costa deseja que a investigação prossiga e que os responsáveis ​​pelo desvio do dinheiro público sejam devidamente punidos e haja determinação judicial para ressarcimento do erário público”.

A assessoria de Rui Costa diz ainda que “nenhuma delação cita a participação do então governador da Bahia” e rebate também as acusações contra a então primeira-dama Aline Peixoto.

“A afirmação é corroborada pelo reconhecimento do Ministério Público Federal e do Judiciário, através do STJ, da inexistência de qualquer traição ou participação do então governador Rui Costa ou de sua esposa nos fatos apurados nesta investigação”.

A responsabilidade do ex-governador e da ex-primeira-dama, no entanto, continua sob purificação pela Polícia Federal.

A defesa de Cléber Isaac não quis comentar o mérito das investigações.

“A defesa do sr. Cléber Isaac negou peremptoriamente as acusações e afirmou que se resguarda o direito de se manifestar exclusivamente perante as autoridades competentes, ressaltando que a apuração tramita em sigilo”, disse.

Cléber Isaac admitiu em depoimento à Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, em dezembro de 2021, ter relações sociais com Rui Costa e Aline Peixoto, mas negou ter tratado do tema dos respiradores com o casal. Ele afirmou conhecer Rui Costa desde 2010.

UOL

Postado em 3 de abril de 2024