Decisão do STF sobre maconha pode beneficiar entre 8.000 e 19 mil presos

A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de fixar a quantidade de até 40 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas para definir quem é o usuário da droga pode beneficiar milhares de pessoas atualmente presas pelo tráfico —mas esse contingente representa menos de 3% da população carcerária brasileira.

O grande número de pessoas encarceradas no país é um dos principais motivos citados pelos ministros da corte ao justificar a decisão desta quarta (26).

Agora, quem foi condenado por uma quantidade abaixo do novo limite poderá, na teoria, procurar a Justiça para ser tratado como usuário e, assim, ser libertado. Projeções do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) indicam que de 1% a 2,4% dos presos no país estão nessa situação.

Uma nota técnica divulgada nesta quinta (27) pelo instituto, feita a partir do Atlas da Violência, destacou que se o STF estabeleceu o limite de 25 gramas para diferenciar usuário de traficante, isso beneficiaria 1% do total de presos brasileiros. Se esse limite for de 100 gramas, o total de beneficiários seria de 2,4%.

Segundo os dados mais recentes disponíveis, de 2022, o Brasil tem 820.159 pessoas presas. Ou seja, o total de pessoas beneficiadas pela decisão do STF, de 40 gramas, fica entre 8.200 presos (o que representa 1% da população carcerária) e 19.600 (2,4%).

Outro levantamento do instituto analisou o impacto da medida para 41,1 mil processos do primeiro semestre de 2019 e exigiu que 7,2% de todos os réus prescritos por tráfico de drogas pudessem ser beneficiados pela decisão do STF.

Para Milena Karla Soares, técnica de desenvolvimento e administração do Ipea, a parcela beneficiada pela medida é relevante. “Porém, está aquém do que poderia ser, se também houvesse desejos objetivos para a cocaína”, diz ela.

O Ipea publicou um outro estudo, em 2023, que mostra que a cocaína é a drogada que mais aparece em processos criminosos por tráfico de drogas (70,2% dos casos), com uma quantidade média de 24 gramas. A segunda mais comum é a C annabis (67,1 % dos processos), com uma média de 85 gramas.

O número exato de quantas pessoas está preso por porte de até 40 gramas de maconha em todo o país, no entanto, ainda não está disponível.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, afirmou que não possui o cálculo, uma vez que o assunto que existe na tabela do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) é referente à “posse de drogas para consumo pessoal”, que não distingue que tipo de droga se trata.

“Não temos como levantar dados para processos que versom exclusivamente sobre o porte de maconha”, explicou o Diretor.

Para saber o número exato será preciso aguardar o CNJ, que vai fazer um mutirão nos presídios para reavaliar os casos de pessoas detidas por portar maconha .

Isso aconteceu após o Supremo determinar que o conselho adotasse medidas para cumprir a decisão, além de promover mutirões carcerários com a Defensoria Pública para apurar e acertar prisões que tenham sido decretadas fora dos novos parâmetros.

Além disso, de acordo com dados do Banco Nacional de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios do CNJ, há atualmente 6.343 processos parados que aguardavam essa definição em todo o país.

Vivian Calderoni, pesquisadora do Instituto Igarapé, considera a decisão pela descriminalização como um momento histórico no Brasil, que estabelece um recrutamento para auxiliar a aplicação no cotidiano para fazer essa diferenciação entre usuário e traficante.

Ela explica que a Lei de Drogas, de 2006, proíbe que o traficante tenha uma pena mínima de cinco anos de detenção, enquanto o usuário não deveria ser preso, embora sofra outras punições de natureza criminal (como a realização de serviços comunitários). “A aplicação, no entanto, mostrou que muitos usuários foram presos como traficantes e essa decisão, então, vem esclarecendo e corrigindo essa aplicação”, diz.

Em um cálculo também baseado no Atlas da Violência, o Ipea estima que o custo do encarceramento de pessoas que poderia ser presumido como usuários de drogas ultrapassa os R$ 2 bilhões por ano —o instituto chegou ao valor ao estimar o cenário de presos por porte de até 100 gramas de Cannabis e 15 gramas de cocaína.

Segundo o instituto, trata-se de recurso desperdiçado, que poderia ter um destino mais eficaz para “melhorar as condições de segurança, como o investimento na primeira infância e ensino fundamental para a população socialmente, o que poderia acarretar, inclusive, uma redução nas mortes por overdose de drogas.”

Na quarta, após o julgamento, o presidente do STF, ministro Luis Roberto Barroso, afirmou que a decisão estabelece uma forma de lidar com o hiperencarceramento de jovens primários, com bons antecedentes pelo porte de pequenas drogas.

Segundo ele, a falta de definição de critério distinto entre usuário e traficante feito com que “houvesse uma grande discriminação em relação às pessoas pobres, geralmente negras, que vivem nas periferias”.

“Fixar a quantidade vai evitar que a prisão exacerbada por mão-de-obra para crime organizado nas prisões brasileiras”, afirmou Barroso.

Ele também opinou que a política de drogas que se deveria praticar é o monitoramento dos grandes carregamentos, dos grandes traficantes, monitoramento do dinheiro e do policiamento tão intenso quanto possível de fronteiras e “não a política de prender em flagrante meninos pobres de periferia com pequenas quantidades de drogas”.

Ele admitiu, ainda que se trata de uma questão controversa para a sociedade. “Haverá concordâncias e divergências. Não é possível unanimidade, mas elaboradas de termos feitos o que é melhor para o país e para uma política em matéria de drogas.”

Folha de SP

Postado em 28 de junho de 2024