Custos altos, bilhetes caros, endividamento: companhias aéreas vivem tempestade perfeita, e governo articulado socorro

O governo prepara um conjunto de medidas para ajudar as companhias aéreas, que amargam prejuízos e acumulam dívidas desde a pandemia de Covid-19, que aterrou aviões e prejudicou as receitas do setor. O pacote em negociação com as empresas inclui o abatimento de dívidas regulatórias — como tarifas aeroportuárias —, renegociação de subsídios tributários e uma linha de crédito via BNDES . Integrantes do governo tentam encaminhar as primeiras medidas nas próximas semanas.
Uma das medidas negociadas com as aéreas diz respeito às dívidas administrativas, acarretando, por exemplo, tarifas aeroportuárias, taxas e multas em órgãos como Agência Nacional de Aviação Civil ( Anac ) e Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea). Isso soma mais de R$ 1 bilhão.

O que está sendo treinado é abater esses valores da contrapartida do programa Voa Brasil, a ser lançado em fevereiro e que prevê passagens a R$ 200 em determinados trechos e para públicos escolhidos pelo governo, como aposentados do INSS que não viajaram nos últimos 12 meses.
Outra frente prevê a negociação de dívidas tributárias. É um mecanismo que permite descontos e parcelamentos, conforme a capacidade de pagamento da empresa. O objetivo é negociar algo em torno de R$ 4 bilhões. Como publicado ontem pelo jornal Valor Econômico, as companhias aéreas querem piorar sua nota de crédito junto ao governo como forma de obter condições mais vantajosas em descontos e parcelamentos.

Fundo depende da lei
O Ministério da Fazenda adota uma série de critérios para definir o rating da empresa para fins de negociação de dívida tributária. E as companhias aéreas são bem estratégicas, o que impede grandes descontos.

As empresas querem, então, que o governo inclua as dívidas com a Anac e o Decea na avaliação e deixe de contar o leasing de aeronaves como patrimônio da empresa — já que os aviões precisarão ser devolvidos ou substituídos.

Além disso, o BNDES trabalha num programa de auxílio aéreo para a capital de giro — modalidade que não foi usada pela instituição. O diretor de Desenvolvimento Produtivo do BNDES, José Gordon, disse que uma das possibilidades é usar o Fundo Nacional de Aviação Civil como garantidor de empréstimos para o setor.

No entanto, o uso desse fundo como garantido depende da aprovação de um projeto de lei, em tramitação na Câmara, para permitir expressamente essa possibilidade. Gordon evitou comentar se há outras medidas em estudo para evitar, por exemplo, que alguma empresa entre em recuperação judicial.

— O BNDES entende a situação que o setor enfrentou durante a pandemia. Isso comprometeu a saúde financeira das empresas que, hoje, não conseguem captar recursos nos bancos, porque não têm garantias — disse Gordon.

As medidas ajudariam principalmente a Gol, que hoje é a aérea em situação mais crítica. A empresa tem R$ 3 bilhões, de uma dívida total de R$ 20 bilhões, vencendo no curto prazo e enfrentando falta de caixa para cumprir essas obrigações, ressaltando os analistas Lucas Marquiori e Fernanda Recchia, do banco de investimentos BTG Pactual, em relatório sobre as notícias recentes de que a companhia poderia pedir proteção contra credores ao Judiciário dos EUA.

A análise destaca que, embora o endividamento da Gol tenha diminuído desde o auge da crise causada pela Covid-19, ele segue maior do que os concorrentes — Azul e Latam —, que reestruturaram suas dívidas nos últimos anos.

O setor aéreo foi um dos primeiros a ser atingido pelas restrições da Covid-19. Com a sobrevivência das companhias aéreas em xeque, EUA e países da Europa correram para socorrer essas empresas. ]

No Brasil, um programa desenhado pelo BNDES — lançado em julho de 2020, com orçamento de R$ 3,6 bilhões, R$ 1,2 bilhão para cada uma das três grandes companhias atuantes no país, Gol, Azul e Latam — não promovido uma operação sequer.

As condições foram previstas demais pelas empresas, o que acabou por encarecendo os financiamentos. No programa, a coordenação do BNDES o lançamento de títulos de dívida conversíveis em ações por parte das companhias, mas as operações só sairiam se houvesse demanda de investidores privados.

E para lançar mão dos recursos, a empresa teria que ter ações na B3, um obstáculo adicional para a América Latina — resultado da fusão da TAM com a LAN chilena —, que só tem papéis negociados lá fora.

Falta de aviões no mercado
O momento, no entanto, não é favorável para as companhias aéreas, uma vez que estão faltando aviões no mercado, e os locadores (arrendadores de aeronaves) não terão dificuldades em realocar os equipamentos. É um cenário diferente do vívido da pandemia, quando milhares de aeronaves estavam no chão.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, se reuniu nesta semana com o ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, para discutir o uso do fundo. Além disso, como contrapartida para as companhias, o governo diz que já prejudicou o valor do combustível de aviação em 19% e que tem trabalhado para evitar a judicialização no setor.

As negociações ocorreram em meio a uma pressão do governo para redução do preço das passagens aéreas, que tiveram alta de mais de 47% no ano passado. Para membros do governo, a situação financeira das empresas é um dos motivos que explica essa alta. Há também o temor de uma redução na oferta de voos com eventual agravamento da crise — num momento em que o governo tenta ampliar a malha.

— Todo mundo precisa tomar mais dívida em razão do impacto econômico da pandemia. Qualquer melhoria nesse sentido vai naturalmente diminuir a estrutura de custo do setor, o que pode resultar na redução da tarifa e em mais CPFs caindo — comentou Alex Malfitani, diretor financeiro da Azul.

Procurada, a Gol não quis comentar.

O GLOBO

Postado em 19 de janeiro de 2024