Com planos ambiciosos, PT e PL já veem obstáculos na corrida eleitoral

“Será outra vez Lula e Bolsonaro disputando em 2024”, anunciou o presidente da República à militância de seu partido durante a Conferência Eleitoral do PT em Brasília, no último fim de semana, dando a largada para a corrida às prefeituras do ano que vem. O embate direto com a direita é a aposta da sigla de esquerda para dar a volta por cima em relação a 2020, quando teve o pior desempenho da história, não elegendo sequer um prefeito nas capitais. O PL do ex-presidente Jair Bolsonaro tem a mesma estratégia para alavancar os votos nos municípios. Ancorado em seu maior cabo eleitoral, a agremiação tem a ousada meta de quadruplicar o número de prefeituras (elegeu 349 há três anos) e se firmar como o principal contraponto ao PT no país. Mas, às vésperas do ano eleitoral, ambos os partidos encontram-se às voltas ainda com disputas internas e cheios de dúvidas sobre alianças competitivas em algumas das mais importantes cidades.

De volta ao Palácio do Planalto após seis anos, o PT acumula indefinições. Nos cinco maiores colégios eleitorais, só tem pré-candidato em Belo Horizonte, com o deputado federal Rogério Correia, mas até isso pode mudar se algum aliado com mais chances de vitória exigir o apoio como moeda de troca no cenário nacional. Levando-se em conta as dez metrópoles mais populosas, o partido definiu candidatura própria também em Porto Alegre, com a deputada Maria do Rosário. Em outras, como Salvador e Fortaleza, há divergências sobre o caminho a seguir.

Na capital da Bahia, que o PT comanda desde 2007, o governador Jerônimo Rodrigues quer lançar o seu vice, Geraldo Júnior (MDB) — e com isso, manter o apoio emedebista a sua gestão —, embora o PT já tenha escolhido o deputado estadual Robinson Almeida, que é bancado pelo senador Jaques Wagner. O cenário em Fortaleza é igualmente conturbado. Ali, o diretório adiou a decisão sobre ter candidato para o ano que vem, enquanto negocia com o PDT um nome comum às duas siglas e tenta apaziguar o interesse de três filiados que querem a indicação.

Nas capitais onde o PT já definiu que não terá postulante próprio, como São Paulo, Rio e Recife, a legenda enfrenta problemas para indicar o vice. Em São Paulo, a vaga na chapa de Guilherme Boulos (PSOL) está garantida, mas o nome petista ainda não existe. A lista de possibilidades inclui a professora Ana Estela Haddad, mulher do ministro Fernando Haddad, e até a ex-prefeita Marta Suplicy, hoje secretária da gestão Ricardo Nunes (MDB). No Rio e em Recife, Eduardo Paes (PSD) e João Campos (PSB) resistem à ideia de entregar o posto aos petistas — os dois são nomes quase certos na corrida aos governos do Rio e de Pernambuco em 2026, o que eleva o valor do posto. “Eles querem os votos do PT, mas querem esconder a aliança. Se não tivermos as vices, vamos ter de negociar outras condições de participação nos governos para manter o apoio”, diz um assessor do comitê criado pela sigla para organizar as campanhas.

Do lado bolsonarista, as coisas também não andam bem. Um dos gargalos é a dificuldade dos dois principais nomes do PL — Bolsonaro e o presidente da sigla, Valdemar Costa Neto — de formar consensos. A eleição em São Paulo é um bom exemplo. Há poucos dias, o ex-presidente verbalizou, mais uma vez, o apoio ao deputado Ricardo Salles, seu ex-ministro e representante do bolsonarismo raiz, que tanto agrada a parte expressiva da direita. Já Valdemar, que havia dado sinal verde para Salles procurar outra sigla, prefere o acerto com o atual prefeito Ricardo Nunes, de quem espera indicar o vice.

O ex-presidente admite o enrosco e já disse que, às vezes, tem de “engolir” o candidato do aliado, e vice-versa. “Nós temos realmente tido problemas com vários nomes para disputar a prefeitura na mesma cidade. Isso não é fácil, mas para podermos crescer temos de abrir mão. Então, por vezes, eu engulo o candidato do Valdemar e ele engole o candidato meu”, disse, durante evento do PL. Para a prefeitura do Rio, por exemplo, após o general Walter Braga Netto ter ficado inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral, o grupo bolsonarista emplacou, ao menos por ora, o nome do deputado Alexandre Ramagem. O ex-­chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) já recebeu o apoio do governador fluminense, Cláudio Castro (PL). “Nós achamos um nome que convergiu. Teremos um candidato e acredito que o Ramagem tem tudo para se viabilizar”, afirmou Castro.

Nomes que passaram pelo governo Bolsonaro ou se elegeram no embalo da onda bolsonarista são apostas no PL em outras capitais. Ex-ministros como Gilson Machado (Turismo) e Marcelo Queiroga (Saúde) devem ser candidatos em Recife e João Pessoa, respectivamente. O partido também tende a escolher parlamentares bem colocados em 2022 para assumir pré-­candidaturas em cidades com horário político próprio. Em Goiânia, o deputado federal Gustavo Gayer, segundo mais votado do estado, assumiu a direção municipal da legenda com o aval de organizar sua própria campanha. Mas investir em nomes já testados nas urnas não é, ao menos por enquanto, garantia de sucesso. Em Belo Horizonte, o deputado estadual Bruno Engler, recordista de votos para a Assembleia, está apenas em quarto lugar, com 10%, segundo pesquisa Real Time Big Data de novembro.

Tanto PT quanto PL correm para resolver a tempo os imbróglios e indefinições atuais e escoram suas ambições para 2024 em dois fatores. Um deles é o dinheiro. Donos das maiores bancadas eleitas para a Câmara, PL e PT terão as maiores fatias do fundo eleitoral e maior tempo de rádio e TV. O outro é o peso dos seus cabos eleitorais, mas a polarização política pode ter limites quando o que está em jogo são as disputas municipais. “A preocupação é outra, diz respeito à qualidade do atendimento no posto de saúde, no transporte público e na escola dos filhos”, aponta o cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco. As urnas também mostram que, ao menos nas últimas disputas, o eleitor optou por partidos mais ao centro do espectro ideológico: tanto em 2016 quanto em 2020, as siglas com mais prefeitos eleitos foram MDB, PP, PSD e PSDB.

Para Lula e Bolsonaro, investir em 2024 é estratégico para os seus planos eleitorais. Ambos indicam que irão entrar de cabeça nas principais disputas municipais de olho em um bom desempenho que fortaleça as suas posições para a eleição nacional de 2026. Como mostrou a Conferência Eleitoral do PT, a sigla vai explorar fortemente os investimentos do governo federal para alavancar seus candidatos. Uma das ferramentas, por exemplo, é um aplicativo que irá dar a cada candidato da legenda as obras e programas tocados pela gestão Lula em seus municípios. “A pessoa não terá nem de produzir o material, basta clicar e a propaganda sairá pronta”, diz o secretário nacional de comunicação do partido, Jilmar Tatto. Já Bolsonaro, animado com a vitória de Javier Milei na Argentina, se prepara para voltar a rodar o país levando a tiracolo a ex-primeira-dama Michelle, outro trunfo eleitoral do PL. Tanto Lula quanto o ex-­presidente confiam em suas respectivas capacidades de liderança para corrigir os rumos dessa confusa largada. As urnas dirão se eles estão certos.

VEJA

Postado em 18 de dezembro de 2023