Cidade brasileira é 1ª no mundo a vacinar em massa contra a dengue com dose da Takeda

Nesta quarta-feira (3), a cidade de Dourados, segunda maior do Mato Grosso do Sul, se tornou a primeira do mundo a iniciar uma vacinação em massa contra a dengue com o imunizante Qdenga, desenvolvido pelo laboratório japonês Takeda.

A expectativa é que 150 mil moradores do município com idades entre 4 e 59 anos recebam as duas aplicações, fornecidas gratuitamente à prefeitura pela Takeda, até agosto.

A imunização faz parte de um projeto inédito da farmacêutica com a prefeitura de Dourados e com o pesquisador e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) Julio Croda, que tem como objetivo avaliar o impacto da proteção na vida real. A iniciativa não tem ligação com a campanha nacional, que será realizada pelo Ministério da Saúde nos próximos meses e será destinada apenas a determinados grupos.

— É um quantitativo de 300 mil doses disponíveis que vence em agosto deste ano e serão utilizadas para esse estudo, o primeiro do tipo para essa vacina a nível mundial. Se utilizarmos todas e conseguirmos atingir uma alta cobertura, poderemos avaliar o impacto na redução do número de casos, de hospitalização e óbito, mas também na questão da imunidade coletiva, no benefício da vacina até nas pessoas que não foram protegidas, como crianças abaixo de 4 anos e idosos acima de 60. A ideia é avaliar o impacto nos próximos 3 a 5 anos, dependendo da circulação de sorotipos e epidemias que possam ocorrer na cidade. Agora o objetivo é atingir uma alta cobertura vacinal — explica Croda.

Em nota, a Takeda destaca que a parceria em Dourados teve início antes mesmo de o Ministério ter decidido incorporar a vacina no Sistema Único de Saúde (SUS), no fim do ano passado, e que se trata de um “monitoramento técnico previsto para qualquer imunizante aprovado”. A iniciativa é semelhante à realizada na pandemia em Serrana, com a CoronaVac, pelo Instituto Butantan, e em Botucatu, com a dose da AstraZeneca pela Fiocruz. Em paralelo, o laboratório diz que “reafirma o seu compromisso” para “viabilizar a vacinação contra a dengue” no Programa Nacional de Imunizações (PNI).

— É importante deixar claro que essa vacinação em Dourados não tem a ver com as doses que o Ministério irá comprar. A expectativa é que o governo adquira 8,5 milhões de doses, a empresa só consegue fornecer para a pasta neste momento um número reduzido. Por isso, vamos discutir quais serão os grupos prioritários para elas. Com certeza, não será possível implementar essa estratégia de oferecer vacina para todo o público autorizado pela Anvisa (de 4 a 59 anos) — afirma Croda, que faz parte da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI) do Ministério, que se reunirá no próximo dia 18 para definir os grupos da campanha nacional.

Em outubro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou o uso da Qdenga por lugares com carga e transmissão elevadas de dengue. Aconselhou que o imunizante, feito de vírus atenuado, seja adotado para crianças de 6 a 16 anos. “Nessa faixa etária, a vacina deve ser introduzida cerca de 1 a 2 anos antes do pico de incidência de hospitalizações relacionadas à dengue, específico para a idade”, disse.

Por enquanto, no Brasil, a Qdenga está disponível na rede privada, com valores para o esquema completo de duas doses, aplicadas com um intervalo de três meses entre elas, que vão de R$ 800 a R$ 1 mil.

Vacinação em Dourados
Croda explica que a vacinação em massa em Dourados poderá fornecer dados adicionais sobre eficácia do imunizante para a comunidade científica. A cidade foi escolhida por ter uma alta carga de dengue (1.429 casos confirmados laboratorialmente a cada 100 mil habitantes no ano passado); ter cerca de 200 mil moradores elegíveis para a vacina e contar com uma boa cobertura de atenção primária e de vigilância epidemiológico. O tempo para se observar o impacto da campanha, porém, dependerá da adesão da população.

— O período mais grave da dengue começa agora e vai até abril e maio. Então vai depender muito da velocidade da vacinação para sabermos se vai ter um impacto ainda neste ano. Se conseguirmos atingir um alto número de pessoas de forma rápida, pode ser observado já agora. Mas se for mais devagar, a cobertura for menor, será difícil — diz o infectologista.

Segundo a prefeitura, o laboratório já entregou cerca de 90 mil das 300 mil doses de vacina previstas. O Núcleo de Imunização da Secretaria Municipal de Saúde começou a distribuí-las para os postos de saúde às 7h30 desta quarta-feira. Para receber a primeira dose, basta se dirigir à unidade de saúde mais próxima, com documentos como CPF e carteirinha do SUS.

A primeira dose foi aplicada em Francisleine Costa, mãe de Julio Cesar da Costa, que morreu vítima da dengue no ano passado aos 15 anos. — Meu filho foi enterrado no dia do aniversário por essa fatalidade. Agora a vacina veio e eu estou fazendo campanha para que todos se vacinem para que não passem pela mesma dor que eu. Estou contente por Dourados ser a primeira cidade do Brasil a prestar esse serviço ao público — disse.

A expectativa é que a cidade receba mais 70 mil doses até o fim de janeiro e, com isso, tenha quantidade suficiente para aplicar a primeira em todos os 150 mil moradores almejados até o fim de janeiro.

— Vamos ter a oferta das vacinas na área urbana, nas unidades dos distritos e ainda nas reservas indígenas. Paralelamente a isso, vamos montar estratégias direcionadas com unidades móveis visitando empresas, o comércio e buscar levar a Qdenga ao maior número de pessoas possível nos dois ou três primeiros meses — diz Edvan Marcelo Marques, gerente do Núcleo de Imunização, em nota.

Nos testes clínicos, a vacina da Takeda demonstrou uma eficácia geral de 80,2% para evitar contaminações e de 90,4% para prevenir casos graves. Para o secretário municipal de Saúde de Dourados, Waldno Lucena, trata-se de um potencial que pode levar a uma “queda drástica” nas hospitalizações.

— Esses números são importantíssimos para a realidade de Dourados que, se atingidos, teremos em pouco tempo, uma queda drástica no número de internações gerais por dengue, principalmente em UTI, que teria mais leitos liberados para que possamos atender outros pacientes — afirma.

Brasil bate recorde de mortes por dengue
Recentemente, a OMS alertou que o Brasil é o país com mais casos de dengue no mundo, responsável por mais da metade dos diagnósticos registrados globalmente. Além disso, em 2023, o país bateu o recorde de ano com mais mortes causadas pela doença.

De acordo com a última atualização do painel de monitoramento das arboviroses, mantido pelo Ministério da Saúde, foram 1.094 óbitos confirmados, além de outros 218 que estão em investigação. Antes, o ano com mais vítimas fatais era 2022 que, segundo a última atualização da série histórica da pasta, contabilizou 1.053 vidas perdidas.

Em relação aos casos, o painel mostra que foram 1.658.816 diagnósticos prováveis da infecção pelo vírus em 2023, 52.871 com evolução para hospitalização. O número é 19% mais alto que o total registrado no ano anterior – 1.393.684. Porém, permanece abaixo de 2015, quando o Brasil atingiu o recorde de 1.688.688 casos de dengue.

FOLHA PE

Postado em 4 de janeiro de 2024