Bons ventos na economia justificam otimismo, mas há riscos no horizonte

Em 2024, o PIB brasileiro talvez cresça menos do que em 2023, os juros permanecerão boa parte do tempo na casa dos dois dígitos, as contas do governo possivelmente fecharão no vermelho e a dívida pública tenderá a aumentar. Ainda assim, observa-se um otimismo específico entre economistas, analistas e investidores a respeito dos rumores da economia do país. Como isso é possível? Há uma explicação por trás do aparente paradoxo: a largada deste ano se dá em cenário menos nebuloso do que aquele observado no início de 2023. Em janeiro do ano passado, as preocupações do governo recentemente-eleito traziam mais dúvidas do que certezas, a inflação preocupava e o risco nada desprezível de recessão pairava sobre os países ricos. Tanto é assim que as projeções apontavam para um cenário de paralisia econômica, o que, afinal, não se concretizou. Agora, o ambiente é bem diferente — as nuvens carregadas se desfizeram, embora não sejam descartadas trovoadas eventualmente no caminho. “Mesmo com o crescimento mais fraco, o otimismo vem das quedas de juros, depois de muito tempo com taxas elevadas, em um contexto internacional menos turbulento”, diz Carlos Kawall, sócio-fundador da gestora Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional .

Se no Brasil a expectativa é de que a Selic, a taxa básica da economia, comece 2024 em torno de 9% ao ano, depois de permanecer em 13,75% durante boa parte de 2022 e 2023, nos Estados Unidos o ciclo de quedas está prestes a começar. No fim de dezembro, Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), sinalizou a possibilidade de pelo menos três cortes de juros em 2024, mais que a expectativa dos economistas. Taxas menores, ressalte-se, estimulam o crédito e o consumo — elas ajudam, portanto, a mover a economia. A redução dos juros só é reduzida em cenários de desinflação, algo observado agora nos Estados Unidos, em parte da Europa e com certa intensidade no Brasil. Por aqui, os preços anuais aumentaram acima de 10% durante a pandemia, e caíram após o Banco Central subir prudentemente a Selic. Em 2023, o IPCA, a inflação oficial do Brasil, fechou em 4,5%. Pelas projeções, ela será menor em 2024, podendo definir o ano abaixo dos 4%.

Termômetro relevante da economia, a bolsa de valores deverá surfar uma onda de juros mais baixos. Em 2023, o Ibovespa, principal índice acionário brasileiro, corta recordes, passando dos 130 mil pontos. Novos avanços estão previstos para 2024. A maioria dos bancos e corretoras estima que o índice chegará aos 140 mil pontos neste ano. Mais otimista, o banco Santander defende ser possível alcançar os 160 mil, o que seria um salto de 25%. “Apesar do rali recente, o Brasil continua sendo um dos mercados de ações mais interessantes da região”, afirmou o banco em relatório.

Com tanta excitação, por que a economia brasileira provavelmente crescerá menos em 2024? Para responder à pergunta, é preciso olhar os resultados anteriores com atenção. No ano passado, o produto interno bruto subiu perto de 3% — o resultado fechado será divulgado em 1º de março pelo IBGE. Para 2024, a maioria das estimativas fica entre 1,5% e 2%. “Não são projeções otimistas, mas esperamos um crescimento significativo”, diz Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e presidente do conselho da Jive Investments, gestora que enxerga uma expansão do PIB de 2,5% em 2024. “Otimista seria um crescimento maior que 4%.”

Em boa medida, o desempenho mais modesto neste ano deve ser atribuído ao agronegócio, que encerrou a última safra com novos recordes de produção e exportação — não à toa, a balança comercial brasileira obtida em 2023 o melhor saldo da história, beirando 100 bilhões de dólares. “Foi um aparecimento inédito, mas o efeito tende a se dissipar”, diz o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria. Em 2024, com climas adversos, o setor projeta safra menor. Se no ano passado o PIB do agro cresceu em torno de 15%, ainda que os dados finais não tenham saído, em 2024 a projeção é que avança apenas 1%.

Mesmo que o agro não quebre novos registros, o Brasil poderá aproveitar o cenário global menos adverso. Desde 2021, quando os bancos centrais começaram a elevar os juros, os analistas apostaram numa conjuntura marcada por recessões, inclusive em economias centrais como a dos Estados Unidos e as maiores da Europa. A depressão, entretanto, nunca chegou. “Esperamos uma desaceleração global em 2024, mas ela deve ser mais fraca do que o imaginado”, diz Manuel Orozco, diretor da agência de classificação de riscos S&P e analista da América Latina. Foi Orozco quem assinou o relatório da S&P que, no fim de dezembro, elevou uma nota de crédito do Brasil para BB-. Com isso, o país deu dois passos de volta para o grau de investimento. “Reconhecemos o esforço feito nos últimos sete anos em reformas estruturais, que dão mais força institucional, e é um fato que, desde o começo da pandemia, o Brasil vem com desempenho melhor do que nossas expectativas e como a maioria do mercado”, diz ele.

Apesar do cenário menos nebuloso, há riscos inegáveis ​​emparelhando no horizonte. No contexto global, persistem perigos geopolíticos, como a situação na Ucrânia, as tensões entre Israel e países muçulmanos, e o temor nunca anulado de uma invasão chinesa em Taiwan. São conflitos que podem atrapalhar a quantidade de petróleo e fazer seus preços dispararem novamente. Há também dúvidas em torno de quando o Fed vai começar a baixar os juros americanos, já que o mercado de trabalho por lá, com sua resistência, pode prolongar a inflação e prolongar essa agenda.

No campo doméstico, o recebimento não está no âmbito fiscal. A despeito das boas intenções do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, até agora o governo Lula demonstrou pouca disposição para cortar gastos. Isso ameaça as contas públicas e põe em execução o próprio crescimento econômico. À exceção de uma breve passagem pelo azul em 2022, sob o comando de Paulo Guedes, as contas do governo apresentam déficit desde 2014 — ou seja, há uma década as despesas terminam o ano acima das receitas. Sempre que isso ocorrer, o governo precisa pegar dinheiro emprestado no mercado para honrar seus compromissos, ampliando seu nível de individualização. Na lógica econômica, quanto mais a dívida cresce, menor é a substituição do país. “Este é o ponto crítico que a economia brasileira enfrenta”, diz Maílson da Nóbrega, mencionando a pouca margem de manobra que sobra no orçamento público em meio a níveis generosos de gastos. “Os governos dependem dessa margem para implementar políticas para o crescimento, a redução da desigualdade e a erradicação da pobreza”, diz o ex-ministro.

Na complexa dança entre desafios e oportunidades de 2024, enquanto a queda gradual dos juros sinalizando um caminho promissor, uma situação fiscal emerge como o campo da balança, determinando não apenas a estabilidade das contas públicas, mas também a confiança dos investidores no Brasil. É bom também lembrar que o ano é de eleições legislativas, portanto, de mais gastos públicos. E que há um processo de mudança relevante para o caminho: o final da gestão atual do Banco Central. Na verdade, bons ventos estão soprando de início, mas não se deve descartar a possibilidade de novas intempéries.

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Postado em 15 de janeiro de 2024