Ataque de Lula a Israel provoca reações de base à oposição e amplia insatisfações de aliados

A comparação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entre a ofensiva de Israel na Faixa de Gaza e a perseguição da Alemanha nazista contra os judeus durante o Holocausto gerou críticas abertas por parte de membros de partidos aliados, dando novos sinais de fissuras entre o governo e siglas da base. A declaração, dada no último domingo, se juntou a outros recentes do chefe do Executivo que foram mal recebidos, especialmente sobre política externa, na lista de insatisfação que engloba ainda a bancada evangélica, que repudiou a fala.
Em entrevista na Etiópia, Lula afirmou que situação semelhante à enfrentada pelos palestinos só ocorreu “quando (Adolf) Hitler resolveu matar os judeus”. A fala desencadeou uma crise diplomática com Israel. Ao GLOBO, o presidente do PSB, Carlos Siqueira, disse que ficou “chocado” com o discurso. A legenda ocupa a Vice-Presidência, com Geraldo Alckmin, e dois ministérios.

— É uma comparação que não faz sentido nenhum. Acho lamentável, primeiro, porque genocídio não é. Há problemas provocados por grupos terroristas que usam escudos humanos, em hospitais, e usando crianças. O Hamas provocou isso, porque foi lá em Israel fazer a matança — disse Siqueira, acrescentando que a decisão de se desculpar ou não cabe ao presidente e que não quer dar “sugestão” a ele.

Não é a primeira vez que Siqueira critica o posicionamento de Lula. Em maio do ano passado, ao receber o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, Lula disse que era preciso que o país vizinho mostrasse “a sua narrativa” contra as críticas recebidas. À época, o presidente do PSB rechaçou a declaração e afirmou que “na democracia existem regras, e todo o mundo sabe que na Venezuela regras democráticas não existem”.

Também do PSB, a deputada Tabata Amaral, pré-candidata à Prefeitura de São Paulo, criticou Lula e chamou o posicionamento de “irresponsável”:

— Comparando a guerra atual ao Holocausto, no qual 6 milhões de judeus foram sistematicamente assassinados pelo regime nazista, é errado e irresponsável. Precisamos sim de um cessar-fogo urgente na Palestina e da liberação dos reféns israelenses. O número de vítimas é inaceitável.

Diretor de Gestão da Agência Brasileira de Exportação e Investimentos (Apex-Brasil) e um dos principais coordenadores do governo de transição, Floriano Pesaro também se manifestou, por meio das redes sociais, o desconforto com o uso do Holocausto na fala de Lula, mas ressaltou que o presidente da República está acompanhado para a “busca da paz”.

Além das declarações sobre Israel e Venezuela, o posicionamento de Lula em relação à Rússia também gerou reações. Apoiador do petista no segundo turno em 2022, o ex-deputado Roberto Freire (Cidadania) criticou na semana passada a postura do presidente em relação ao governo russo. No dia da morte de Alexei Navalny, opositor do presidente Vladimir Putin, Freire afirmou que a posição brasileira é “vergonhosa e inexplicável”. Na ocasião, o presidente ainda não havia comentado o caso, o que fez dois dias depois ao criticar a “pressa” para se “acusar alguém”.

Reações no Congresso
A declaração de Lula gerou ainda reações no Congresso Nacional. Oposicionistas apresentaram um pedido de impeachment, que ganhou fôlego também entre membros de partidos que ocupam ministérios na Esplanada. Vinte deputados da União Brasil, PP, Republicanos e PSD assinaram a peça até a noite de ontem. Apesar de serem siglas que têm espaço no governo, com oito ministérios, esses parlamentares se alinham à oposição na hora de votar. Até ontem à tarde, 91 deputados assinaram o pedido.

A lista de assinaturas gerou troca de farpas entre a deputada Carla Zambelli (PL-SP), que iniciou um movimento por apoios, e a presidente do PT, a também deputada Gleisi Hoffmann (PR). “Golpistas querendo impeachment só pode ser piada”, escreveu o petista em sua conta no X (ex-Twitter). Zambelli, por sua vez, usou as redes para criticar “a democracia relativa de Lula”.

Para o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), o pedido não avançará por ser “desqualificado”:

— Tenho certeza que não. (Ninguém) acredita que esse pedido de impeachment vai obrigação de tão desqualificado que ele é — disse, durante o programa Roda Viva, afirmando que o caso não vai atrapalhar na relação com o Congresso. — Tenho certeza absoluta de que vamos repetir nesse ano de 2024 o bom sucesso entre o governo e o Congresso que tivemos em 2023.

O deputado Kim Kataguiri (União-SP) apresentou uma moção de repúdio ao presidente. A oposição absorveu o coro. O deputado Marcel van Hatten (Novo-RS) afirmou que o partido entrará com notícia-crime junto à Procuradoria-Geral da República (PGR). “Onde vamos parar? Que vergonha! O Brasil não merece ser motivo de chacota e indignação internacional”.

Crítica de evangélicos
Para além da política externa, outros temas e ações do governo geraram atritos com partidos que formaram a frente ampla em torno de Lula nas eleições de 2022. O apoio dado, por exemplo, ao Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), aliado histórico, causa mal-estar entre congressistas ligados ao agronegócio.

— As instituições estão funcionando tranquilamente. Agora, acho que o Congresso tem que fazer o papel de reparar os exageros que o Executivo comete. Acho que temos que respeitar as diretrizes, mas cabe ao Congresso temperar — diz o presidente da União, Luciano Bivar, sobre as discordâncias e os tensionamentos recentes.

Apesar de tentar uma aproximação com a bancada evangélica, desde o fim do ano passado, Lula vem sendo criticado pelo grupo, formado também por partidos de base. Ontem, a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso emitiu uma nota de repúdio, em que afirma que “verbalizações desequilibradas, além de não representarem o pensamento da maioria dos brasileiros, comprometem a política internacional de forma desnecessária”.

“Comparar os ataques de Israel ao Hamas com o nazismo que vitimou 6 milhões de judeus ‘indefesos’ provoca um conflito ideológico negativo”, escreveu.

O GLOBO

Postado em 20 de fevereiro de 2024