Africanos serão 1 em cada 4 pessoas do planeta até 2050

À medida que o mundo envelhece, a África cresce com a juventude. Até 2050, 1 em cada 4 pessoas do planeta será africana, uma mudança expressiva que já começa a ser registrada.

Uma mudança surpreendente está em curso no continente, onde a população deve quase dobrar para 2,5 bilhões nos próximos 25 anos —uma era que não apenas transformará muitos países africanos, mas também remodelará sua relação com o resto do mundo.

As taxas de natalidade estão caindo em países mais ricos, criando preocupação sobre como cuidar e pagar por suas sociedades envelhecidas. Mas o “boom” de bebês na África continua, alimentando a população mais jovem e de crescimento mais rápido do mundo.

Em 1950, os africanos representavam 8% da população mundial. Um século depois, representarão um quarto da humanidade e pelo menos um terço de todos os jovens entre 15 e 24 anos, de acordo com as previsões da ONU.

A idade média no continente africano é de 19 anos. Na Índia, o país mais populoso do mundo, é de 28 anos. Na China e nos Estados Unidos, é de 38 anos.

As implicações dessa “youthquake”, como alguns a chamam, são imensas, mas incertas, além de variarem muito em toda a África, um continente de inúmeras culturas e cerca de 54 países que abrange uma área maior que China, Europa, Índia e EUA juntos. Mas seus primeiros sinais já estão presentes.

Isso ressoa na agitação das cidades em expansão no continente. Pulsa nos estádios lotados de Londres ou Nova York, onde músicos africanos estão conquistando o mundo da música pop.

E a influência política da África também está crescendo. Seus líderes são cortejados em cúpulas chamadas por potências estrangeiras que cobiçam suas enormes reservas de minerais necessários para fabricar carros elétricos e painéis solares.

Com uma crescente escolha de aliados ansiosos, incluindo Rússia, China, EUA e Turquia, líderes africanos estão rejeitando a imagem de vítima e exigindo uma voz maior. Em setembro, a União Africana se juntou ao G20, o principal fórum de cooperação econômica internacional.

Em muitos países, as baixas taxas de natalidade estão criando populações mais velhas e menores. O desafio da África é gerenciar o crescimento desenfreado. Na próxima década, a região terá a maior força de trabalho do mundo, ultrapassando China e Índia. Até a década de 2040, ela representará 2 em cada 5 crianças nascidas no planeta.

Os especialistas dizem que essa maré iminente leva a África à frente das preocupações mais urgentes desta era, como emergência climática, transição energética e migração. Mas também expôs as vulnerabilidades gritantes do continente.

PERIGO E POTENCIAL
O “boom” populacional da África é, em parte, resultado de um progresso notável. Em média, os africanos comem melhor e vivem mais do que nunca. A mortalidade infantil foi reduzida pela metade desde 2000.

Mas, enquanto alguns países africanos estão prontos para aproveitar a onda demográfica, outros correm o risco de serem inundados por ela.

Por exemplo, a Nigéria, a nação mais populosa da África. Quase dois terços de seus 213 milhões de habitantes vivem com menos de US$ 2 por dia; a violência de grupos extremistas é comum; e a expectativa de vida é de apenas 53 anos, nove anos abaixo da média africana.

No entanto, a Nigéria adiciona mais 5 milhões de pessoas a cada ano e até 2050 espera ultrapassar os EUA como o terceiro país mais populoso do mundo.

Os jovens africanos estão mais bem educados e mais conectados do que nunca: 44% se formaram no ensino médio em 2020, em comparação com 27% em 2000, e cerca de 570 milhões de pessoas usam a internet. Mas encontrar um bom emprego, ou qualquer emprego, é outra questão.

Até 1 milhão de africanos entram no mercado de trabalho todos os meses, mas menos de 1 em cada 4 conseguem um emprego formal, diz o Banco Mundial. O desemprego na África do Sul, a nação mais industrializada do continente, chega a 35%.

A FRUSTRAÇÃO ALIMENTA A DESESPERANÇA
Em países como Somália, Moçambique e Mali, jovens privados de oportunidades pegam em armas para lutar em grupos fundamentalistas islâmicos ou por dinheiro. No Gabão e no Níger, jovens cansados da política falha lotam ruas e estádios para gritar slogans em favor de golpes militares.

No alto mar, barcos de contrabandistas fazem viagens perigosas para a Europa e o Oriente Médio, levando jovens africanos desesperados e seus sonhos de um futuro melhor. Pelo menos 28 mil morreram no mar Mediterrâneo desde 2014, segundo a ONU.

A crise climática também é uma preocupação urgente. Inundações, secas e tempestades têm devastado países africanos. E o temor das mudanças climáticas está moldando planos para o futuro e alimentando preocupações sobre seu impacto.

POTÊNCIA CULTURAL
Artistas africanos pareciam estar em todos os tapetes vermelhos este ano —no Grammy Awards, que adicionou uma nova categoria para Melhor Música Africana; no Met Gala, onde a cantora nigeriana Tems apareceu com franjas de penas de avestruz; e no Festival de Cinema de Cannes, onde uma jovem diretora franco-senegalesa, Ramata-Toulaye Sy, foi uma estrela em ascensão.

A moda africana teve seus próprios desfiles em Paris e Milão. Em Veneza, a África é o foco da Bienal de Arquitetura deste ano. No ano passado, um arquiteto de Burkina Faso ganhou o prestigioso Prêmio Pritzker. Em 2021, Abdulrazak Gurnah, nascido na Tanzânia, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.

“A África não é apenas um lugar”, disse ele em uma entrevista. “É complicada e complexa; diferenciada, contrastante.”

Por muito tempo vista no Ocidente como um interesse de nicho —ou, pior, exotismo— a cultura africana se tornou o “soft power” do continente e, cada vez mais, uma fonte de dinheiro. O mercado de música que mais cresce no mundo está na África Subsaariana. Até 2030, as indústrias cinematográfica e musical da África poderiam valer US$ 20 bilhões e criar 20 milhões de empregos.

CRISE DE EMPREGOS
Não faz muito tempo, a tecnologia era a grande ideia para permitir que a África saísse da pobreza. Startups surgiram em países como Nigéria, África do Sul e Marrocos. Microsoft e Google estabeleceram grandes centros no Quênia. Otimistas falavam de uma “África em ascensão”.

Mas, embora a tecnologia tenha trazido bilhões em investimentos, ela falhou em um ponto crucial: criar empregos. O desemprego crônico, um problema antigo, agora é uma grande crise.

A população em idade de trabalho do continente —pessoas entre 15 e 65 anos— chegará a 1 bilhão na próxima década. O que esses 1 bilhão de trabalhadores farão?

É um problema para o mundo, diz Aubrey Hruby, investidora e autora de “The Next Africa”. “Depois das mudanças climáticas, a crise de empregos na África será um desafio definidor de nossa era”.

Em outros lugares, a resposta foi a industrialização. Nas décadas de 1970 e 1980, quando China, Coreia do Sul e Japão eram os motores do crescimento populacional, suas fábricas estavam cheias de jovens produzindo roupas, carros e TVs. Isso os tornou ricos e tirou centenas de milhões da pobreza.

A África está mal posicionada para repetir esse feito. A maior parte do continente falhou em se industrializar e está perdendo terreno nessa área: a participação da África na manufatura global é menor hoje do que era em 1980.

A infraestrutura é um obstáculo. Cerca de 600 milhões de africanos, ou 4 em cada 10, não têm eletricidade. Grandes estradas e ferrovias muitas vezes levam às costas, um legado do colonialismo extrativista, que inibe o comércio entre os países.

E o “boom” de bebês continua, sufocando o crescimento econômico. No geral, o continente não consegue acompanhar o crescimento de sua população.

Ajustada ao tamanho da população, a economia da África cresceu 1% ao ano desde 1990, de acordo com a empresa global de consultoria McKinsey & Co. No mesmo período, a economia da Índia cresceu 5% ao ano, e a da China cresceu 9%.

Apesar de representar 18% da população global, a África responde por apenas 3% de todo o comércio.

Para legiões de jovens africanos desempregados e frustrados, isso deixa apenas uma opção: sair. Todos os anos, dezenas de milhares de médicos, enfermeiros, acadêmicos e outros migrantes qualificados fogem do continente.

E os países que eles deixam para trás dependem deles para sobreviver. Em 2021, migrantes africanos enviaram para casa US$ 96 bilhões em remessas, três vezes mais do que a soma de toda a ajuda externa, de acordo com o Banco Africano de Desenvolvimento. “A diáspora africana se tornou a maior financiadora da África”, diz Akinwumi Adesina, chefe do banco.

ELEITORES JOVENS, LÍDERES ANTIGOS
Um continente jovem é governado por homens idosos. O líder africano médio tem 63 anos; o mais velho, Paul Biya, líder de Camarões, tem 90 anos. A democracia atingiu seu ponto mais baixo em décadas: metade de todos os africanos vive em países considerados “não livres” pela Freedom House.

Cinco chefes de estado africanos, incluindo Biya, estão no poder há mais de três décadas; quase todos estão preparando seus filhos como sucessores. Mesmo assim, potências estrangeiras estão se apressando em apoiá-los.

O presidente Paul Kagame de Ruanda, no poder desde 1994, recebe mais de US$ 1 bilhão em ajuda ocidental anualmente e estabeleceu seu pequeno país como um centro esportivo e de conferências internacionais —mesmo sendo acusado de matar ou sequestrar seus críticos, ou de supostamente vencer eleições por uma margem de 99%.

Enquanto EUA, China e Rússia disputam posições, uma série de potências médias também está se aproximando. Cerca de 400 novas embaixadas foram abertas em países africanos desde 2012, de acordo com a Universidade de Denver; Turquia, Qatar, Emirados Árabes Unidos e Índia lideram a lista.

No entanto, há um grupo-chave que os líderes africanos falharam em conquistar: os jovens alienados de suas próprias nações. “Nossas elites nos tratam como idiotas”, diz Nourdine Aouadé, advogado e jovem líder político, em seu escritório na capital do Níger, Niamey, após uma tomada militar em agosto.

Como muitos jovens nigerinos, Awade, 32, apoiou a ação. “Golpes são apenas a consequência da injustiça social”, diz ele.

A maioria dos jovens africanos admira e deseja a democracia, como mostram inúmeras pesquisas. Mas o desencanto com as promessas vazias dos políticos está dando origem a uma nova era de protestos e ativismo político.

MILITANTES SE ESPALHANDO
Enquanto alguns fogem, outros pegam em armas.

No Sahel, a região semiárida que faz fronteira com o Saara e atravessa o continente africano, dezenas de milhares de adolescentes se juntaram a grupos militantes ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico. Eles causam estragos por onde passam —milhares de civis mortos, 5 milhões de pessoas forçadas a deixar suas casas e desestabilização política que levou a uma série de golpes militares.

Mas o principal impulsionador dessa insurgência não é uma ideologia extremista ou crença religiosa, de acordo com um estudo da ONU com mil ex-combatentes de oito países. Em vez disso, os pesquisadores descobriram que a maior razão para se juntar a um grupo militante era o desejo de ter um emprego.

O Sahel lidera o mundo de duas maneiras. É o centro global da violência extremista, respondendo por 43% de todas as mortes desse tipo em 2022, de acordo com o Índice Global de Terrorismo. E tem as maiores taxas de natalidade —em média, sete filhos por mulher no Níger e no norte da Nigéria, seis no Mali e no Chade e cinco no Sudão e em Burkina Fasso.

Altas taxas de natalidade por si só não causam insurgências. Mas elas são um grande acelerador quando combinadas com estados fracos e pobreza extrema. Um planeta em aquecimento também é um fator importante, apagando meios de subsistência e levando as pessoas ao desespero.

Esses fatores são a razão pela qual muitos veem o Sahel como a manifestação mais preocupante da “youthquake” da África.

Uma chave para enfrentar esse problema está nas adolescentes, como Asiya Saidu. Assim como muitas em Zaria, uma cidade de maioria muçulmana no norte da Nigéria, Saidu esperava se casar aos 14 anos e ter seu primeiro filho logo depois.

Em vez disso, matriculou-se no Centro de Educação para Meninas, um programa financiado pelos EUA que ajudou até 70 mil meninas a permanecerem na escola e, no final, ter famílias menores.

Educar as meninas tem um efeito incomumente grande no tamanho da família na África, porque atrasa a idade do casamento e ajuda as jovens a espaçar o nascimento de seus filhos. Saidu, agora com 17 anos, recentemente se candidatou a uma escola de enfermagem.

“Eu quero me casar”, disse ela. “Mas primeiro quero ser independente e aprender a me sustentar.”

Pode ser que a África passe por transformações difíceis de ver agora.

A turbulência crescente deste ano —novas crises, novas guerras e novas quedas econômicas— daria uma pausa aos maiores otimistas. No entanto, também há motivos para ter esperança.

“Digo aos meus amigos na Inglaterra que chegará o momento em que eles vão estender um tapete vermelho para aqueles caras que agora estão chegando de barco”, diz Mo Ibrahim, um magnata das telecomunicações e filantropo nascido no Sudão.

Folha de São Paulo

Postado em 30 de outubro de 2023